quinta-feira, 23 de junho de 2005

PALETA DE PALAVRAS XII

«A DITADURA DO ESQUECIMENTO

Bem sabemos que a União Europeia é uma construção inédita, instável, insegura e imperfeita. Temos também consciência de que a história europeia foi sempre feita de conflitos e diferenças. O velho continente tem várias culturas, várias línguas, várias identidades. Se é verdade que há raízes comuns de vária índole - religiosas, culturais, linguísticas, literárias, artísticas (quem é Homero senão um velho pai fundador da nossa civilização?) - não é menos certo que a história tem trazido à tona egoísmos, conflitos e divergências. Os cépticos e os cínicos preferem, por isso, dizer que os europeus estão condenados a não se entender. Daí o culto sacrossanto do Estado-nação para uns e do mercado global para outros. E o mais curioso é que os dois argumentos gémeos encontram-se e completam-se, misteriosa e estranhamente. O Estado-nação não morreu nem morrerá tão cedo, mas os que teimam em julgá-lo um absoluto, arriscam-se (esses sim) por irrealismo a apoucá-lo e a reduzi-lo a uma perigosa insignificância. O Estado de direito é uma base fundamental que não pode nem deve ser esquecida, desde que saibamos enriquecê-lo e completá-lo com instrumentos eficazes, através da abertura de fronteiras.

Como lembrou há dias Felipe Gonzalez, numa magistral intervenção, no cenário inspirador dos Jerónimos, nada compreenderemos da realidade actual se não nos lembrarmos que o muro de Berlim não caiu por acaso, e que o sucesso do projecto europeu teve nisso um papel fundamental. Do mesmo modo, caminharemos para o vazio, disse ainda, se não entendermos que não podemos continuar a olhar para os nossos problemas internos sem nos preocuparmos com o essencial: o que queremos ser como projecto activo e relevante na ordem internacional. Temos de compreender os novos sinais da opinião pública europeia que desperta. Ela deseja, a um tempo, a prosperidade europeia (e uma ideia de justiça distributiva eficaz) e a segurança atlântica. Eis o que temos de ter bem presente, em vez de julgarmos que há uma homogeneidade interpretativa. A Europa precisa de uma síntese actuante – que tenha resposta justa para uma globalização com efeitos contraditórios, desde o agravamento das desigualdades, a exigir maior cooperação política de natureza supranacional (mais Europa política e social), até ao risco de redução de bem-estar e dos privilégios das sociedades ricas (pela emergência do medo do outro, da ameaça da imigração etc., etc.).

O fantasma do Super-Estado europeu é acenado, assim, sistematicamente, para tentar criar condições favoráveis ao reflexo condicionado do proteccionismo. Eis por que um certo soberanismo emerge, às vezes puramente formal, esquecido de que hoje os parlamentos nacionais vão sendo esvaziados de poderes, sem que haja uma reforma séria e corajosa que ponha sobre a mesa o tema dos poderes e das competências da União, dos Estados, dos governos e dos parlamentos. Só uma União de direito poderá contrariar o Super-Estado, através da legitimidade democrática e do equilíbrio. Curiosamente, quase todos omitem o esforço muito sério, antes sem paralelo, no sentido do reforço dos parlamentos nacionais e da concretização política e jurisdicional do princípio da subsidiariedade… Percebe-se, porém, que a confusão seja um método para lançar as maiores suspeitas sobre uma reforma necessária da União Europeia. Quem duvida do facto de ser insustentável continuar a ter instituições criadas para uma Comunidade de 6, a funcionar numa União de 25? Quem duvida de que a União Monetária só poderá tornar-se uma União Económica se houver coordenação de políticas de investimento e de emprego, de desenvolvimento e de coesão económica, social e territorial? Quem duvida de que só uma União Política poderá concretizar uma parceria euro-atlântica entre iguais – que nada tem a ver com a ilusão de criar uma União Europeia como potência concorrente dos Estados Unidos.»

Guilherme D'Oliveira Martns, Casa dos Comuns

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