quarta-feira, 8 de junho de 2005
MICRO-CONTOS I
«Era uma vez um pensamento que não conseguia respirar perto do seu amor, a felicidade. A felicidade era linda, tão linda que sufocava os olhos que nela penetravam. A falta de fôlego era visível e o mundo tornava-se plano, tudo podíamos ter e por tudo fazíamos por aquela paisagem. Daqueles olhos dela percorriam-se velocidades ondulares, levadas pelo som do nosso corpo batido de prazer e de sentido com a força de um raio solar. Viajava-se pela sua pele como barco na água, cobria a terra com a fotografia da sua pose, em poucos segundos deixávamos de existir e tudo era simples, perene e fugidio. Parar para pensar não era opção ou reflexão. Tudo era claro, transparente, escorregadio, musical, tudo era pueril, ingenuamente meninil. O pensamento resignava-se à sua solidão de amor, não podia estar com ela, não podia ser feliz. Não podia sequer sentá-la na mão e olhá-la com a cara carinhosa e carente. Não podia satisfazê-la, ela pedia a companhia do seu amor, que não a abandonasse na mão. O ar cândido não culminava vencimento e a conquista não podia ser oferecida. O pensamento não conseguiu ir para além do seu sonho, o seu sentido de vida estava atravessado pelo destino. Restava-lhe a imaginação e a recordação. O pensamento estava condenado à distância da felicidade e a felicidade ao amor sem pensamento. O presente estava envenenado pelo amor e o futuro escapava-se em cada dia minuciosamente sofrido. Antes do anoitecer, todavia, recebiam o sopro das velas que diariamente os iluminava enviado pelo passado, acompanhado pela mesma mensagem de sempre:
Um dia serão presente, o amor não é criação nem história de deuses, é uma dádiva habitada pela vitória do desejo. O amor é humano, não é pensado ou feliz. O amor é imperfeito, não é realizado nos céus. O amor simplesmente é.
E assim foi. É tudo. É só.»
Miguel Pessoa Campomaior
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