«O presidente do Parlamento, Jaime Gama, recebeu uma carta do proprietário da Iberomoldes e ex-deputado do PS, Henrique Neto, onde é questionada a opacidade dos recentes negócios da Defesa e a situação do ex-ministro Pina Moura, simultaneamente deputado, administrador da Galp e presidente da Iberdrola Portugal, empresas onde mediou negócios e participou em processos de privatização enquanto governante, e que agora dirige. Neto apela a uma fiscalização por parte da AR.A carta, a que o PÚBLICO teve acesso, foi enviada a 19 de Maio e chama a "atenção" para "a passividade, para não dizer a demissão" da AR "na sua acção fiscalizadora dos actos dos diferentes governos". O resultado "mais visível desta realidade tem-se caracterizado por sucessivos casos, que chegam ao conhecimento dos cidadãos através dos meios de comunicação" e que "não prestigiam as actividades política e empresarial e comprometem a confiança dos portugueses, para já, nos seus representantes, e, a prazo, na própria democracia", diz. Contactado pelo PÚBLICO, Neto não quis comentar.Na carta, exemplifica com três casos: a opacidade registada à volta das negociação dos contratos das contrapartidas para a compra de material para as Forças Armadas, sem que tenha havido "execuções dignas de nota" nos últimos quatro anos, e os processos de privatizações da Petrogal/Galp e da EDP/Galp. Refere-se de modo detalhado aos contratos celebrados pelo Estado com grupos internacionais no âmbito reequipamento das FA, nomeadamente a aquisição de helicópteros e submarinos, cujas contrapartidas foram negociadas pelo ministro Paulo Portas.Gama não avança para já qualquer comentário. "O presidente aguarda resposta aos elementos adicionais que foram solicitados ao subscritor da carta", disse o porta-voz do presidente da AR, questionado pelo PÚBLICO. Na última edição do Expresso o ministro da Defesa, Luís Amado, classificou o "modelo" usado no programa das contrapartidas como "um embuste", que "não dá garantias de execução" e é "inaceitável". O valor das contrapartidas ascende a 2,3 mil milhões de euros, o equivalente a aproximadamente 24 por cento do défice para 2005. É uma quantia, sublinha, que "se for bem gerida, pode ter um peso relevante na economia". Ao PÚBLICO, a porta-voz do Ministério da Defesa adiantou que irá ser criada uma estrutura fixa para fiscalizar a execução dos contratos de contrapartidas. E vai igualmente, como o PÚBLICO já noticiou, reavaliar todos os programas. O actual regime de contrapartidas, de 2001, "em vez de atender às necessidades de Portugal", permite que os fornecedores disponibilizem o que entendem, disse a porta-voz do ministro. O Ministério passará também a participar na avaliação das contrapartidas."O Estado português negociou contratos de contrapartidas dos equipamentos militares adquiridos a empresas internacionais, com o objectivo de promover as exportações de empresas portuguesas em áreas tecnológicas, sem que, passados quatro anos, tenha sido realizada qualquer execução digna de nota", escreve. "Não se trata certamente de um acaso, mas de um sofisticado processo de simulação realizado pela empresa Escom (Grupo Espírito Santo) com a complacência do [anterior] presidente da comissão permanente de contrapartidas". A Escom interveio como consultora de dois consórcios a quem o Estado adjudicou os fornecimentos de equipamento militar. A empresa está a ser investigada pelo Ministério Público no caso Portucale, em que o administrador da Escom, Luís Horta e Costa, foi constituído arguido por suspeita de "tráfico de influências". "Não temos comentários a fazer", disse ao PÚBLICO um responsável da Escom, confrontado com as questões suscitadas por Neto. No entanto, Miguel Horta e Costa (irmão de Luís Horta e Costa), consultor da Escom para a área das contrapartidas, lembrou ao PÚBLICO que as várias comissões permanentes de contrapartidas "não têm tido condições para negociar com um nível de profissionalismo elevado com os consórcios internacionais". "Cabe ao Estado definir quais os sectores prioritários para alavancar a economia e criar uma CPC mais próxima do Ministério da Economia", acrescentou. A CPC foi presidida durante a maioria do Governo PSD-CDS por Brandão Rodrigues, dirigente do CDS. Neto afirma ainda que a "omissão da comissão" está "ao serviço de previsíveis interesses que não sei quantificar, no sentido de criar um capital de queixa das empresas fornecedoras sobre as autoridades nacionais". Isto para "impedir o Estado português de accionar os mecanismos legais conducentes a qualquer pedido de indemnização". O empresário acrescenta que as empresas EHI, AugustaWestland e Ferrostal AG e GSC, que assinaram com o Estado contratos de contrapartidas para fornecer submarinos e helicópteros, "não têm interesse, ou vontade, de honrar" os compromissos, contando para tal "com a cooperação activa e pouco clara da empresa portuguesa Escom". A Iberomoldes é uma das seis empresas que celebraram contratos com os últimos três governos no âmbito das contrapartidas, as quais ascendem a 20 milhões de euros. A empresa exporta anualmente bens de valor acrescentado no total de 55 milhões de euros. »
«Henrique Neto questiona na carta o facto de o ex-ministro da Economia e Finanças de António Guterres, Pina Moura, acumular em simultâneo com o lugar de deputado do PS as funções de administrador não-executivo da Galp e de presidente executivo da espanhola Iberdrola em Portugal. A Iberdrola entrou para o capital da GalpEnergia e da EDP, empresas de capitais públicos, quando Pina exercia funções governamentais e tutelava o sector energético. "Suponho", adianta Neto, "que não será ética e politicamente irrelevante que o mesmo ministro que incentivou a venda da Petrogal à ENI e que negociou a entrada da espanhola Iberdrola no capital da EDP e da Galp, seja agora, simultaneamente, deputado, administrador da Galp e presidente da espanhola Iberdrola em Portugal, sem que esta situação seja devidamente avaliada pelo Parlamento." Contactado pelo PÚBLICO, Pina Moura começou por afirmar que não queria alimentar "nenhuma conversa com o eng. Henrique Neto, directa ou por interposta pessoa", para esclarecer de seguida ter perguntado "à comissão de Ética da AR se existia alguma incompatibilidade entre as funções que exercia enquanto profissional liberal e as de deputado". Admitiu, no entanto, que, desde que assumiu funções na empresa espanhola, não voltou a questionar a comissão, pois já tinham passado três anos desde que deixara o Executivo - o período definido pela lei das incompatibilidades para que um governante possa assumir funções em sectores anteriormente tutelados por si. Neto lembra que o Parlamento fez "no passado uma avaliação negativa das condições de venda de uma posição accionista de controlo da então Petrogal (hoje Galp) à empresa italiana ENI, com conclusões muito claras, de que a operação afectava o interesse nacional". E estranha que o Governo de Sócrates esteja agora a negociar com os grupos que venderam a posição na Galp aos italianos, a pedido de Pina Moura, e "para mais sem o pagamento das mais-valias devidas". Por isso, questiona o facto de a AR "não demonstrar agora qualquer preocupação", por serem os mesmos investidores chamados "a assumir uma nova posição de compra" da Galp.»
Hoje, no Jornal Público.
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