Vivemos na era 25 de Abril. A falta de liberdade já não atormenta o cidadão comum, a mulher é tão igual quanto o homem perante todos os poderes e direitos fundamentais da sociedade e abandonámos o modelo económico de pobreza colectiva e de contenção pessoal e social. O tempo evoluiu, o mundo modernizou-se, como acontece com qualquer revolução social, para o bem ou para o mal. E o 25 de Abril também. Os adultos ganharam o exercício de uma, duas, três profissões, as crianças já não têm o dever de trabalhar assim que ganham corpo ou músculo, nenhum adulto tem de pedir autorização estatal ou conjugal para sair do país, os resultados das empresas podem depender apenas de si e da sua (boa) gestão, as uniões matrimoniais ganharam novos contornos jurídicos, sem efeitos restritivos da liberdade dos parceiros conjugais, sobretudo à mulher que, separada ou divorciada, e com filhos, já consegue livremente uma casa para arrendar ou uma escola para inscrever o seu filho. Por tudo isto e por tudo o que falta, atingimos o 25 de Abril, atingimos a liberdade, o caminho da criatividade, da publicidade, da comunicação. Parte de uma geração antiga fez o 25 de Abril e doou-o, democraticamente, com suficiente convicção, às elites do poder político. Portugal, num curtíssimo lapso histórico venceu no 25 de Abril. A desqualificada e enorme maioria dos portugueses desejavam-no, apoiaram-no e descobriu o mundo da liberdade, como nunca conheceu ao longo dos seus nove séculos de história. Um país infantil, portanto, na perspectiva da maturação cronológica democrática. Um país que resistiu, revoltou-se e apoderou-se do papel e das canetas que iriam reescrever um novo modo de viver e de crescer a nação. O 25 de Abril foi escrito, e já ninguém o pode apagar dos anais desta pátria lusitana. Vivemos o 25 de Abril diariamente, depois dessa grande vitória transgeracional. É um dia que é de todos e serve cada um como cada qual, sem excepções. É um dia de sonho na história curta e constante de uma vida humana. Dia que também colocou Portugal na História das nações que fizeram revoluções históricas e que contribuíram para mudar o mundo com novas vagas democráticas e vislumbradoras dos caminhos da liberdade.
Todos os dias sente-se o 25 de Abril. Do acordar ao deitar, pode encontrar-se alterações na rotina quotidiana, na forma e no conteúdo, em resultado do 25 de Abril. Basta nem sair de casa, é suficiente, por exemplo, ligar um rádio, ou uma televisão. E, realmente, o país está outro. Tal como nós próprios a cada dia que passa. Mas, caros concidadãos, há um dia que não passa, deveras. Há um “dia” que parece não querer emancipar-se, soltar-se da esperança paterna, dar o salto da verdadeira maturidade, ou fazer a travessia transformadora de que falava Pessoa para, de vez, «abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo» e não nos deixam crescer e prosperar. Parece ser mais difícil que fazer o 25 de Abril, mas não passamos desse dia. Não chegamos ao 26 de Abril!
Não conseguimos dar o passo seguinte, construir o seu futuro desenvolvimento, criar espaços éticos de poder e de participação, instrumentos de confiança no talento e na potencialidade do saber e capacidade individual e do trabalho colectivo, da positividade da responsabilidade e da criação de valor comunitário acrescentado ao país, à comunidade, à região, localidade, ao bairro, à vizinhança, à família, à pessoa, ao indivíduo, ao ser humano. Não conseguimos acordar num dia 26 de Abril. Não estamos a resistir às tentações do "sucesso" individual, da materialidade, dos grandes feitos e das mega-obras, dos génios ou salvadores, da economia informal, da riqueza moderna (tecnológica) dos pequenos objectos quotidianos, do não ter tempo e do tempo que é tudo e tudo nele é, do (aparente) bem-estar individual, da mentalidade da generalizada e universal comparabilidade, entre os familiares, os vizinhos, os amigos, os colegas, os conhecidos de ocasião ou do mero social. O 26 de Abril, apesar de estarmos a 26 de Abril de 2009, registe-se, ainda não chegou... nem se espera tão cedo, sejamos ingénuos apenas na visão. Ninguém acredita que hoje os cidadãos passam a participar e a co-responsabilizar-se por tudo o que os indigna, reivindicam ou se opõem convictamente; assim como ninguém acredita que de repente a quase totalidade dos políticos e da política se pautam exclusivamente pela ética, o bem comum, a prática (curricular) exemplar, e pela defesa e promoção das boas práticas de governação, de oposição ou de construção de uma nação que dá oportunidades a todos, mas que não dá esmolas a nenhum cidadão que não queira e/ou possa trabalhar e lutar. De certa forma, é também uma questão de definição do país, pós-25 de Abril. Portugal é um país grande na informalidade, como demonstra um recente estudo da OCDE. Aqui, ainda estamos no 24 de Abril. Mas pior é essa informalidade ser mais abrangente, ir além da economia nacional, pois é que ela também rege, infelizmente, a política, os media, a opinião pública, os cidadãos. Tudo está, se desbloqueia ou conserta nas entrelinhas, nos favores recíprocos, nas opiniões silenciosas, no conhecimento oportuno, no facto desconhecido, no jeito especializado, entre outras más práticas colectivas nacionais. Nem tudo muda para ficar na mesma. Há coisas que mudam para ficarem diferentes. E conseguiu-se. Mas as necessidades públicas, dos cidadãos, exigem que sejam melhores diferentes, mas melhores, na forma e no conteúdo. Diferente, foi o 25 de Abril. Melhor, será o dia seguinte, o tal amanhã com que os transformadores de Abril sonhavam. Hoje é dia 26 de Abril de 2009. E é um bom dia livre para se constatar que é, mau grado, somente mais um dia do calendário.