segunda-feira, 7 de novembro de 2005

"Quanto mais velha, mais a História se perde na memória...

...e mais difícil o presente se compreende" (MPC)

Era 27 de Outubro, em Le Branc-Mesnil, três jovens corriam desalmados a fugir da Polícia, dois, de 15 e 17 anos, morreram estranhamente electrocutados, o outro ficou ferido, escapando por pouco ao mais terrível dos destinos. Eram suspeitos de actos criminosos...

A História dos últimos tumultos e actos de vandalismo por parte de jovens suburbanos podia começar assim, mas - como raramente não acontece - a «real» História está mais funda que as experiências dos sentidos. Aprofunde-se minimamente o passado e o presente, para que o enquadramento de qualquer opinião, subjectiva por natureza, seja a mais credível é convinvente possíveis, carecendo de avanços pelas brumas antropológicas, sociais, culturais e políticas da terra de Obélix..

Analisar esta problemática recente sob a perspectiva de uma lei maniqueísta, nem com uma lupa se conseguirá aprofundar e compreender as causas e as dimensões deste flagelo urbano que assola Paris há pouco mais de uma semana. Nesta 'história' não há bons e maus, correctos e incorrectos, racionais e irracionais, inocentes e culpados.

O que acontece é o que a realidade dos banileues (subúrbios) franceses vive todos os dias. À volta de Paris há uma cintura de imigrantes (dentre eles, portugueses) que há 40, 30, 20 anos foram contribuir para a riqueza nacional da França. Viviam-se anos de prosperidade e de crescente desenvolvimento. A França precisava deles e eles precisavam da França. A França para enriquecer, os imigrantes, uns, para comer, sobreviverem, outros, para serem livres, simplesmente livres, fugidos da opressão, anarquia ou da ditadura. Trabalhavam afincadamente, os mais cumpridores e os mais produtivos, muitas vezes sob condições ilegais e desumanas. Alguns imigrantes foram muito longe, enriqueceram com o país, criaram o seu negócio. Outros, melhoraram a sua vida, mas continuaram a viver do bairro. Mal ou bem, mais ou menos esforço, integraram-se. Mas todos os dias sentiam a superioridade e arrogância francesas: no trabalho, na taverne, nos media, por toda a parte. Tudo bem, conviviam bem com isso. Têm a sua crença, cultura, suas tradições e as comunidades entreajudavam-se nas dificuldades. O sentimento sobranceiro francês é uma constante na vida destes imigrantes. Os portugueses, sofreram-no, os sub-saharianos e magrebinos sofrem-no e os nacionais dos países de leste da União Europeia (!), como os polacos, já começaram a senti-lo. É o que um dia pode matar a Europa: o acordar da intolerância racial, religiosa e étnica. É a principal e ac6tual causa do terrorismo. Não há nada pior para um ser humano sentir-se inferiorizado e humilhado. Olhe-se para a História, e vejam-se as atrocidades cometidas e as causas das maiores revoluções e guerras, sobretudo mundiais.

Entretanto, da primeira geração de imigrantes nascia a segunda e desta a terceira, aninhados em bairros abandonados pelas políticas públicas, nacionais e locais, onde não há um jardim bem tratado, uma escola limpa, uma biblioteca, um pavilhão de desportos, nada para o cultivo da cultura, nada para combater o ócio, nada para sentirem que é feito alguma coisa por eles, absolutamente nada! Para além de um bairro, os imigrantes viviam, e vivem, em guetos, marginalizados e intolerados. Os primeiros imigrantes queriam que os filhos, já com a nacionalidade francesa, frequentassem a escola, sobretudo uma escola que honrasse os valores da revolução, livre, justa e solidária. Mas ela é tudo menos isso: não é livre, porque, por exemplo, não há a liberdade de usar símbolos religiosos no próprio corpo, ou seja, não há cumprimento algum da liberdade de expressão, de religião e de desenvolvimento da personalidade, liberdades constitucionais entre nós, nunca postas em causa por cá, precisamente porque há essa liberdade. Não é justa, porque por incrível que pareça, foi criado um regime especial educativo (desenhado a pensar nestes «franceses de 2.ª») com cariz técnico-profissional, sem lhes dar o acesso ao nível universitário (!). Mais tarde ou mais cedo, qualquer pessoa de bom senso alcança o futuro destes jovens suburbanos. Não é solidária, porque não há sequer fraternidade, quanto mais humanismo. Para a maioria dos franceses, eles não são verdadeiros franceses. Dentre esses, muitos defendem que deviam estar na «sua terra». E, ainda por cima, as políticas públicas não são conformadas por um real e efectivo princípio de igualdade. E assim se faz parte da História.

(continua)

3 comentários:

Pedro Soares Lourenço disse...

Escreve NCR “aninhados em bairros abandonados pelas políticas públicas, nacionais e locais, onde não há um jardim bem tratado, uma escola limpa, uma biblioteca, um pavilhão de desportos, nada para o cultivo da cultura, nada para combater o ócio, nada para sentirem que é feito alguma coisa por eles, absolutamente nada!”.

Esta ideia peregrina de que o Estado é uma prostituta, que serve os seus amos e senhores, lhes dá cama, comida e roupa lavada ainda haverá de acabar com a civilização Ocidental..., pelo menos parte dela..., a que está deste lado do Atlântico. Sim, que os maus dos Americanos há muito que deixaram de alimentar “Burros a pão de ló”.

Para NCR não basta “dar” um jardim e uma escola. Ele tem de ser bem tratado, ele tem de ser limpa!!!

Meu caro Nuno, a minha escola, pela qual eu pago quase cinquenta contos por mês nem asseada é..., quanto mais limpa! E é uma escola que se diz superior.

Continua, sim continua e veras onde iremos parar. Todos!

Nuno Cunha Rolo disse...

Na verdade, nem sequer há jardins dignos desse nome, as escolas são poucas e sujas, descuidadas, e o resto cresce por si...
Nada de stresses...
...o medo é natural nas sociedades de risco, e floresce. Mas não exagerem, não tenham medo das palavras.
NCR

Pedro Soares Lourenço disse...

E o essencial é nem ter medo das palavras nem ter medo da realidade..., mesmo que ela esteja bem diante dos nossos olhos (ainda que o nosso cérebro se recuse a intrepreta-la).