sábado, 5 de novembro de 2005

ESPUMAS XIX



O mundo é feito de várias felicidades. Tantas quantas as coisas bonitas que há para cada qual. É raro alguém não ter uma felicidade, diga ela respeito ao que se é, ao que se tem ou ao que os outros são e têm por nós, ou de nós. A felicidade está em qualquer lugar sentido. Um gesto, uma palavra, um sorriso e cria-se floresta num deserto. Toda a gente o sabe, parece certo, todavia, difícil é estar predisposto para a receber. É por isso que quando não há uma grande razão para se festejar a felicidade, temos que encontrar três boas razões para isso acontecer. Quando não temos um grande argumento que nos convença, torna-se necessário buscar três pequenos argumentos, que, no mais das vezes, não são tão pequenos quanto pensamos, já dizia um eminente professor de física. Os argumentos estão sempre connosco, em nós, e que apesar de visíveis a todo o tempo passam bem despercebidos às escassas visitas que fazemos à nossa simplicidade. Isto porque, para isso acontecer, importa estarmos predispostos. A predisposição é essencial para quase tudo. Sem ela poucas coisas correm bem, raras vezes temos sucesso, e quase tudo culmina em desvalorização ou desilusão. Paradoxalmente, a predisposição é um estado a meio caminho, não está antes da vontade, ela própria já é uma vontade, uma meia-vontade, uma pequena essencial vontade. Encontrá-la é reunir os três grandes argumentos que todo o ser humano é capaz de extrair. No fundo, sobretudo nos dias de hoje, exigentes e populosos, cheios de hábitos e de preconceitos, a predisposição é uma disposição: a disposição que lembra que, apesar desses dias, três argumentos já integram a nossa existência. Na verdade, assim que nascemos. Não é preciso uma revolução para os atingir, basta uma predisposição. Através dela, qualquer objectivo perseguido, qualquer sentimento vivido, qualquer acto sentido, é meio caminho para se viver o que queremos viver, seja com quem for. Ninguém reinventa ou controla as felicidades, daí que a predisposição não deva ser-nos estranha ou inacessível. Ela é o que sempre foi: humana e ubíqua. E se o ser humano se completa com o Eu, Tu e Ele, o mundo é feito de Nós, Vós e Eles. Na felicidade, no profundo, não há grandes argumentos, pela razão de que não existe maior argumento que este. A predisposição cultivada é felicidade visitada.

NCR