domingo, 17 de abril de 2005

Referendo ao Tratado Constitucional Europeu em França

O processo de ratificação do Tratado Constitucional Europeu, assinado em Roma a 29 de Outubro de 2004 pelos vinte e cinco estados-membros (e por mais três países candidatos à adesão: Croácia, Roménia e Bulgária), já conta com cinco aprovações (Eslovénia, Hungria, Lituânia, Espanha e Itália). O próximo acto deste processo é o referendo francês.

O previsível 'Não' a este referendo, no dia 29 de Maio, poderá constituir, como refere a gíria jornalística, um «duro golpe» no aprofundamento político e reforço jurídico da União Europeia. Como se sabe, a França é um dos países fundadores desta Europa económica e política e um dos pesos-pesados nas decisões comunitárias, logo, pouco se fez na história da comunidade europeia sem a França -, pelo que se adivinha uma futuro difícil no processo de construção política europeia, não obstante as disposições do Tratado entrarem em vigor apenas a partir de 1 de Novembro de 2009, se 5/6 dos estados-membros o aprovarem.

Esta onda negativa no eleitorado francês face ao Tratado tem a nosso ver, sobretudo, 3 causas que, de certa forma, podem ser consideradas tiros no pé por parte de alguns políticos franceses, nomeadamente Giscard D'Estaing, a saber:

- A demagógica e teimosa designação 'Constituição Europeia' a um Tratado Constitucional. Uma denominação que assusta os eurocépticos e suscita nos europeus convictos um sentimento de 'inverdade' e de 'desconfiaça' no processo constituinte europeu.

- A declaração de Giscard D'Estaing de dizer 'Não' à entrada da Turquia na Europa, que obrigou Chirac a defender o 'Sim' e criou desavenças políticas com mau impacto no eleitorado. Tiro no pé, claramente, para não dizer pura estupidez política, pois como acreditar numa 'constituição europeia' que defende direitos e liberdades fundamentais iguais e universais se depois no que toca às desigualdades religiosas ou étnicas, afinal não é bem assim?!

- Introdução da Directiva Bolkestein e das questões internas (como o modelo social francês, o desemprego ou as liberdades-pilar da Comunidade Europeia) na discussão do referendo ao Tratado Constitucional europeu, confundindo-se assim questões europeias com o incipiente impacto destas nas questões internas.

Ao contrário de que muitos escrevem e pensam, penso que a não aprovação gaulesa do Tratado não constituirá um acto catastrófico no processo de entrada em vigor do mesmo, nem lançará a União «num novo abismo». Admito inclusive que tal negação poderá ter efeitos benéficos no modo de dar a conhecer o Tratado aos povos nacionais e na entrega dos políticos e dos cidadãos à discussão do argumentário da 'questão constitucional europeia'. Ou seja, uma discussão verdadeira e transparente, sem demagogias ou reservas mentais. Isto porque, se a lição a retirar do processo constituinte é a de insuficiente democraticidade e comunitarização, o processo de ratificação pelos estados constitui uma excelente oportunidade para os cidadãos sinalizarem que não a querem ver repetida.

NCR

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