sexta-feira, 8 de abril de 2005

Em Portugal todos os dias são Natal

Os atropelos constitucionais e as agressões contra a natureza laica do estado português só não são vistas por quem não quer ou por quem se deixa influenciar pela sua militância católica. A decretação de 3 dias de luto nacional por este governo socialista (!) pelo falecimento de João Paulo II leva-me a escrever este pequeno post, o qual estava disposto a calar pelo respeito que a instituição, mas sobretudo o homem me merecem. O problema, se é que é um problema para algum católico, é que o estado português, o governo português, as instituições públicas portuguesas não respeitam a constituição portuguesa, o direito português e a exigência de sentido de estado nesta matéria.

Já aqui afirmei mais de uma vez, em outros posts, o meu ateísmo e a minha formação completa de catequese católica para que se desactivem as vossas presunções e desconfianças compreensivas na leitura deste post. A educação foi católica, como, julgo eu, a de qualquer rapaz ou rapariga da geração de 70 por efeito da “normalização social e familiar portuguesas”. Apesar disso, a minha resistência a essa educação, embora pouco exteriorizada na altura, sentia-a quase inata ou instintiva. Como superar algumas ‘verdades’ da Bíblia onde se pode ler tantas barbaridades como por exemplo: «a Terra é plana», «a epilepsia existe porque a pessoa é possuída pelo demónio», «a escravatura é uma instituição legítima», «as mulheres são propriedade dos homens», «Deus ordenou ao povo de Israel que fosse para a guerra e matasse todos os homens, mulheres e crianças da nação amalecita».

Pelo que escrevi se pode concluir que muito daquilo que sou, ou seja, o próprio ateísmo, devo aos ensinamentos católicos. Contudo, sei distinguir a Igreja da religião, assim como devo distinguir, ao contrário de outros, os seus princípios, alguns, dos eclesiásticos. O que não se compreende é porque o estado português confunde todos eles, quando o direito português proíbe-o de confessar, discriminar ou apoiar qualquer credo religioso. E exemplos não faltam: feriados católicos, bênçãos religiosas de inaugurações públicas, bandeiras a meia haste, em edifícios públicos, pela morte de titulares de cargos religiosos (cardeal, papa), isenções e benefícios fiscais desmedidos e vergonhosos para o povo português, clericalismo em algumas práticas de estado, quer ao nível do poder central, quer ao nível do poder local, as “Mensagem de Natal e de Bom Ano Novo” do Cardeal" (!), entre outros.

Não se pense que estes desaforos são exclusivos de Portugal, pois internacionalmente o ‘credo’ não é para menos. Pense-se apenas no processo que fez Torquemada famoso, nas históricas indulgências papais e no facto de a religião católica ser a única religião a ter um estado internacional e juridicamente reconhecido e, provavelmente, o único estado antidemocrático da Europa (órgãos não democraticamente eleitos, violação do princípio da liberdade, igualdade e liberdades, nomeadamente de expressão, com práticas sub-reptícias de censura, de livre criação cultural, entre outras). Muitos ‘pecados mortais’ cometeu esta religião, e comete. Pecados originais e pré-consituintes, por isso irreversíveis e incompatíveis com a fé na sua confissão. O mesmo acontece em outras religiões, naturalmente. Tire-se alguns princípios de cada uma delas e não sei para o que ainda servem. Fazem algum trabalho de caridade e de mediação de conflitos, mas é mais com o objectivo de aumentarem o seu ‘rebanho’ e compensar todos os males que fizeram e fazem. Para mim, as religiões não deviam existir. Se deus houvesse, julgo que até ele concordaria comigo, pois com o mundo que tivemos e temos e o facto de não ter outra causa maior de mortandade em toda a sua história como a religião, pelo que qualquer acção expurgatória da mesma seria bem-vinda a toda humanidade. Marx não escreveu tudo, porque a religião não é uma droga, é uma praga, que se açambarca da fraqueza humana, fortalecendo-a.

Tudo isto merecia bem uma algaraviada, mas fico-me por este post. É por uma questão de princípio e não de anti-fé. Não se pode ser simultaneamente inteiramente livre e religioso. Nenhuma religião é livre, e nem poderá sê-lo, porque a fé é contrária ao sonho: uma coisa é acreditar que o ser humano tem capacidades e potencialidades com a ajuda de deus, outra coisa é acreditar que o ser humano tem capacidades e potencialidades provindas de si.

NCR

1 comentário:

Cuze disse...

é engraçado que eu sou um inveterado sonhador (todos me costumam dizer isso mesmo) e no entanto sou um tipo de fé, e é tb engraçado que os meus sonhos fortalecem-se exactamente pela minha fé. o transcendente é para mim, algo que não consigo deixar de lado qd sonho. a minha fé manifesta-se exactamente na maneira como idealizo os meus sonhos, o que é engraçado. acredito em algo maior, mas tb sinceramente não sei mt bem em quê! sei que acredito... e vivo muito bem com isso! 1abraço