sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Duas notas

I - A entrevista de Mário Crespo a Pedro Silva Pereira (ou será vice-versa?), Ministro do actual Governo, fez deste muito daquilo que não costuma ser na televisão: vivo, despertante e de resposta surpreendente. Na verdade, Pedro Silva Pereira assombrou, pela positiva, porque transformou a incompetência de Mário Crespo numa força rara das posturas ministeriais, dado que elas normalmente descambam (quase) todas na habitual retórica política anódina e opaca.

A parte final da entevista foi o golpe de "misericórdia" do Ministro que a uma frase final de Crespo dizendo que «...foi um prazer tê-lo nesta entrevista...», Pedro Silva Pereira respondeu de rajada...«Foi uma obrigação!»

Hèlas!


II - Mário Crespo prestou um mau serviço ao jornalismo e aos portugueses. Estes casos mediáticos de justiça que 'apanham' figuras políticas de grande relevo, designadamente um primeiro-ministro, devem ser casos prioritários na investigação judicial. Não me venham com o princípio da igualdade e que todos os cidadãos são iguais perante a lei porque a validade do princípio é para ordens de múltiplas esferas de cidadania. Eu não quero ser tratado igual ao primeiro-ministro! Nem quero que um primeiro-ministro do meu país seja tratado de igual forma. O que eu quero é investigação seja prioritária, urgente, e classificada como secreta na fase de investigação,sobretudo se há indícios de prática de crimes por um chefe de governo, que seja pronunciado por todos os crimes de que é eventualmente indiciado, e que seja condenado se se provar em tribunal que cometeu os crimes de que é acusado. Se estivessem a investigar-me, poderiam demorar meses, e até anos (há que ser realista), no caso de um PM, tem que demorar dias, semanas, no máximo.

Não se iludam os que ora comentam, escrevem e falam no café de que "todos deveriam ser presos e condenados", nem aqueles, tipo Mário Crespo, que, mesmo pela via da insistência insana, querem ver e ouvir dizer que há corrupção, há crimes, há governantes a meterem dinheiro ao bolso, e demais blá, blá, do género... e que tudo isso é bom para o país! Eu digo que não! Digo isto, porque penso que mais vale um político corrupto eleito investigado (e eventualmente absolvido) pelo poder judicial, do que um político inocente (que não é o mesmo que ser honesto) julgado judicialmente e na praça pública. Pense-se cinco minutos nos efeitos de ambas.

Na verdade, não se deve menosprezar os danos das campanhas mediáticas e "justiceiras", porque sabe-se que as suas consequências são, muitas vezes, piores do que aquelas onde supostamente se fizesse justiça. Julgo não ser necessário aludir aqui à posição de irresponsabilidade de punição de que padecem os media. Ou seja, os media informam, investigam, comunicam os 'factos', as 'opiniões', etc, mas nunca, pelo menos num estado de direito, possuem a formação jurídica necessária, o direito/dever de julgar, de absolver, de punir, de aprisionar, a autoridade de imparcialidade, de poder público, etc. No limite, e em abstracto, na democracia não podem predominar os media, antes o estado de direito, porque a nossa verdadeira realidade, aquela que, na linguagem giliana, nos inscreve, é a que é regida pelo Direito, e não pela Opinião ou lei do mercado, pela qual se pautam os media, ainda que com desvios funcionais para a deontologia e o interesse público.

Por muito que isto doa aos cidadãos 'puros' - sobretudo aos que não querem saber da política para nada, têm nojo dela e de quem lá anda - a política não é feita de justiça, mas de emozão (emoção+razão), não admira pois que esteja separada dos tribunais, por isso nas eleições (que método falível!) não ganham sempre os candidatos mais inteligentes ou com mais currículo ou de maior mérito, por isso, também, é impossível, repito impossível, cumprir-se integralmente a justiça na implementação da política, ou seja, no domínio das políticas públicas, porque fica sempre alguém de fora, algo não abrangido, matérias não estudadas, não avaliadas, não previstas, etc. A política é a arte da imperfeição, porque precisamente se pretende um mundo melhor. E apenas isso: melhor. Melhor segundo determinadas leis e valores. Portanto, o máximo que a política, e ahumanidade, pode atingir é o aperfeiçoamento da sua imperfeição. Nada mais do que isso. A lei e a política, nas sociedades modernas, vieram substituir o músculo e a selva, e não a justiça e o paraíso. Se alguém chegar lá, será sempre efémera a passagem. (Na minha existência, lembro-me da selecção sub-21 de Portugal, em 1991, sagrar-se campeã do mundo no antigo Estádio da Luz, com um penálti de Rui Costa!...mas é apenas um momento).

Portanto, que um PM seja tratado de maneira diferente pela lei, que seja investigado caso seja suspeito, que seja punido e preso se cometeu os crimes pelos quais eventualmente seja acusado ou que deixe de ser perseguido por justiceiros encartados, pelo menos, antes da fase de julgamento, deveriam ser algumas das bases de avaliação de casos como o do Freeport e pautas de uma actuação crítica de todos os actores sociais, para não começarmos a tropeçar todos, tipo queda de dominó, numa petição geral de princípio opinativa, com consequências desnecessárias e irracionais que a ninguém, verdadeiramente, aproveita.

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