quinta-feira, 18 de maio de 2006

Sudários e Fadários



«Por que, mesmo quando é contestado, O Código se autoreproduz? Porque as pessoas têm sede de mistérios (e de complôs) e basta que se lhes ofereça a possibilidade de pensar sobre mais um mistério (e até no momento em que você lhe diz que era a invenção de alguns espertinhos) e pronto, todos começam a acreditar naquilo.

Acho que seja isso o que preocupa a igreja. A crença no Código (e em outro Jesus) é um sintoma de descristianização. Quando as pessoas não acreditam mais em Deus, dizia Chesterton, não é que não acreditem em mais nada, mas acreditam em tudo. Até nos meios de comunicação de massa.»

Umberto Eco, aqui.

É disto que tenho receio. Não é do Código da Vinci, ou dos mistérios da vida, ou dos meios de fuga para os eternos transcendentalismos, ou dos malabarismos humanos para a alienação literária, ou da descristianização, ou de não haver Deus. Sinceramente, nenhuma destas coisas me tira o sono. O problema é o descodificador das pessoas, ou seja, a sua capacidade de raciocínio crítico e os seus efeitos. A História ensina-nos que os grandes desastres criados no seio da humanidade são fruto dessa falta de código, terreno fértil para o surgimento de religiões, espirituais ou ideológicas, que coarctam a liberdade de forma, a maioria das vezes, sub-reptícia e vagarosa. E com as massas controladas ou dirigentes, novas bíblias da ecologia pessoal e profissional dos cidadãos desabrocham.
O objecto desse receio assenta fundamentalmente nas novas crenças 'arquidiárias', visíveis nos comportamentos e nas conversas de todos os dias. A minha principal preocupação vai para e vem dos mais novos, e sendo frequentador de universidades, um local medidor do pulsar do futuro próximo, tenho razões acrescidas (e privilegiadas) que fundamentam esse receio.
E que novas crenças são essas? São muitas, umas boas outras más, mas só estas podem causar grandes 'estragos' a médio e longo prazo, a saber algumas: a prevalência dos interesses sobre os valores incidente na forma de pensar e de agir, a intangibilidade do sucesso profissional (e pessoal) por meios individuais e honestos, a inevitabilidade da pobreza nacional, o cepticismo crónico quanto à mudança do estado político e social actual das coisas, a endémica mentalidade de elevar a cultura a uma despesa corrente e a bandeira de cortes orçamentais, a consensualidade de que os fins da segurança justificam os meios restritivos da liberdade, a santificação das políticas de prevenção de todos os riscos emergentes da sociedade, nacional ou global, a divinização dos meios de comunicação social para a resolução dos problemas pessoais e do colectivo, o intervencionismo ilegítimo do poder jurisdicional na esfera privada e governamental, todas elas, para mim, são algumas das novas crenças, ou perigos de crenças, que já se instalaram nas nossas vidas, resta saber se já estão ferradas nas almas, sobretudo das mais novas.
Portanto, estas novas crenças sim, provocam-me fincados desassossegos. E devem-no a a qualquer pessoa que veja na sociedade a razão da política e na política o sentido da liberdade. Por outras palavras, às pessoas que preferem ser responsáveis pelo seu destino e não o entregar às mãos alheias de todos, isto é, ao Estado.
A vontade das pessoas não é dirigida por nenhum fadário, e o sucesso das suas vidas não deve medir-se pela bitola da exposição pública. Assim como a verdade e a realidade.

NCR

1 comentário:

Suspirador disse...

Já repararam que os mesmos que dizem:
Que não é possível que Jesus Cristo tenha tido um filho com Maria Madalena, porque não há provas conclusivas; e
Que nunca houve qualquer organização secreta de protecção à alegada linhagem de Jesus Cristo (sem falar da fábula de Plantard, o Priorado de Sião, notoriamente uma brincadeira), porque não há provas conclusivas,
São os mesmos que dizem:

Que a mãe de Jesus Cristo era virgem;
Que Jesus Cristo ressuscitou; e
Que a mãe de Jesus Cristo, 1900 anos depois de morrer, disse a uns pastores portugueses que o Papa João Paulo II sobreviveria a um atentado,
Sem disso haver provas conclusivas?

Claro que em matéria de mitologia, a fé substitui a convicção racionalmente resultante de factos demonstrados, mas... não será sofisma pretender para a própria religião o exclusivo da verdade que resulta da fé?

p.s. - Não será mais fácil admitir que todas essas matérias se prendem com fé, não sendo possível alegar a respectiva veracidade histórica?