Luís Brites
Há imagens que não valem apenas mais do que mil palavras, há imagens que valem mais que mil dias! Quase sempre que vejo uma árvore, um jardim e um banco recordo-me do filme Notting Hill, de Roger Michell, um filme grande em entretenimento e pequeno em qualidade geral. Estes três elementos naturais de um cenário apaixonado constituem uma simbiose romântica quase perfeita entre a Natureza e o Homem. O primeiro dá a terra e o fruto, o segundo constrói o banco e compõe-o numa sinfonia arrebatadora. É, assim, possível existir uma união construtiva, pacífica e frutífera entre o mundo natural e o ser humano. Mais difícil, contudo, por regra deveras mais difícil, é a arte de duas pessoas que se amam, estarem e viverem juntas; duas situações diferentes, mas que se complementam em termos de um projecto duradouro de relacionamento. Vem este post a propósito de uma história que li hoje, bem demonstrativa dessa espinhosa ambição:
Certa vez, na terra dos Sioux, o guerreiro Touro Bravo e a bela Nuvem Azul chegaram de mãos dadas à tenda do velho feiticeiro da tribo e lhe pediram:
- Nós nos amamos e vamos nos casar. Mas nos amamos tanto que queremos um conselho que nos garanta ficar sempre juntos, que nos assegure estar um ao lado do outro até a morte. Há algo que possamos fazer?
E o velho, emocionado ao vê-los tão jovens, tão apaixonados e tão ansiosos por uma palavra, disse:
- Há o que possa ser feito, ainda que sejam tarefas muito difíceis. Você, Nuvem Azul, deve escalar o monte ao norte da aldeia apenas com uma rede, caçar o falcão mais vigoroso e trazê-lo aqui, com vida, até o terceiro dia depois da lua cheia. E você, Touro Bravo, deve escalar a montanha do trono; lá em cima, encontrará a mais brava de todas as águias. Somente com uma rede deverá apanhá-la, trazendo-a para mim viva!
Os jovens se abraçaram com ternura e logo partiram para cumprir a missão.
No dia estabelecido, na frente da tenda do feiticeiro, os dois esperavam com as aves.
O velho tirou-as dos sacos e constatou que eram verdadeiramente formosos exemplares dos animais que ele tinha pedido.
- E agora, o que faremos? - perguntaram os jovens.
- Peguem as aves e amarrem uma à outra pelos pés com essas fitas de couro. Quando estiverem amarradas, soltem-nas para que voem livres.
Eles fizeram o que lhes foi ordenado e soltaram os pássaros. A águia e o falcão tentaram voar, mas conseguiram apenas saltar pelo terreno. Minutos depois, irritadas pela impossibilidade do voo, as aves arremessaram-se uma contra a outra, bicando-se até se machucar.
Então o velho disse:
- Jamais esqueçam o que estão vendo, esse é o meu conselho. Vocês são como a águia e o falcão. Se estiverem amarrados um ao outro, ainda que por amor, não só viverão arrastando-se como também, cedo ou tarde, começarão a machucar um ao outro. Se quiserem que o amor entre vocês perdure, voem juntos, mas jamais amarrados.
Desta lenda uma lição óbvia se retira: sem liberdade, não há amor duradouro. A liberdade é a plataforma para a felicidade e a convivência amorosas. Não é por acaso que a prisão é um castigo maior e a máxima das penas vividas pelo ser humano. Por sua vez, a liberdade é condição de qualidade, bem-estar comum e progresso humanos há muito provada pela História e comprovada pelas democracias liberais contemporâneas. Portanto, para o ser humano e para a sociedade, a liberdade é fundamental e já é adquirida nesse sentido. Todavia, e se ela é certa e perene entre o Homem e a Natureza, entre o Homem e a sociedade, entre humanos é um problema difícil e constante, quer em reconhecê-lo, quer em superá-lo. Como em qualquer jardim, difícil é povoar os seus bancos.
Qual é então o segredo do amor eterno? Não há segredos, ou fórmulas, ou poções mágicas, nem leis gerais ou definitivas no amor, apenas, dois princípios únicos, universais e globais nas relações humanas. O primeiro é que sem coração, não há união. Ou seja, sem verdade, não há liberdade. Estar numa relação de modo diferente é viver preso a uma ilusão, uma imagem, uma comodidade, uma espécie de relação de suporte virtual.
No último filme da trilogia Matrix, o cenário final devolvido à realidade situa-se num jardim, junto a um rio, cheio de árvores e relva e de chilrear matinal de aves despertas. Na outra margem, ao fundo, a sociedade iluminada pelo Sol, o elemento natural da esperança. E as últimas palavras do filme, pertencentes ao Oráculo sentado num banco de jardim, reportam-se ao epílogo desconhecido: não sabia, mas acreditava. Eu acreditava. Este é o segundo princípio. O amor é uma oportunidade de sermos livres e somos livres quando acreditamos nele. Sem crença nenhum amor tem futuro. Compreende-se, assim, a dificuldade de viver o amor para sempre. Exige excessivos valores a uma humanidade cuja realidade teima em desvirtuar.
NCR
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