sexta-feira, 11 de abril de 2008

A dupla face dos The Gift

Porque é que as expectativas existem? E a perfeição poderá existir? São desde logo questões a mais para um post só, que ainda para mais se pretendia curto.
Ontem foi noite de gala no Coliseu lisboeta: The Gift acompanhados pela Orquestra Metropolitana de Lisboa. Mas não era por aqui que gostava de começar...

Faz hoje quinze dias que os The Gift tocaram na festa do quadragésimo aniversário do Casino do Estoril (foto de rustizinho). A ultima vez que os tinha visto ao vivo, tinha sido no Super Bock Super Rock do ano passado e não me tinham enchido as medidas – ok, do you want something simple?, dessa vez a noite acabou com Arcade Fire. As expectativas eram baixas. Mas o concerto acabou por ser quente e esfuziante de “joie de vivre”. Porque os The Gift adoram o que fazem, mas também porque o seu lado solar electrónico convive cada vez melhor com espaços acanhados e públicos fiéis. E o mestre, como lhe chamou Sónia Tavares, Mário Barreiros (sim, esse, aquele que “fez” o maravilhoso primeiro álbum de Pedro Abrunhosa e os Bandemónio) faz toda a diferença na bateria.

Ontem, tudo foi diferente. Não eram só os The Gift que sonhavam tocar com uma orquestra “à seria”. Os seus fieis adeptos há muito que sonhavam em vê-los dessa forma. Longa se tornou a espera, e é aqui que entroncam as malditas “das”expectativas. Julgo que o segredo dos The Gift é o casamento entre tecnologia e notas acústicas que saem de verdadeiros instrumentos musicais. A música dos The Gift vive da simbiose desse dois elementos: tradição e modernidade, velho e novo, electrões e notas. A música dos The Gift só o é quando presentes os seus yin e yang. O concerto de ontem no Coliseu de Lisboa foi magnífico e grandioso. Os arranjos, fundamentalmente a cargo do genial Nuno Gonçalves, foram do surpreendente (“645”) ao arrepiante (“butterfly”), passando pelo minimal (“music”) e até pelo desconcertante (“ok, do you want something simple?”). Ok, ninguém queira uma noite simples, mas aquilo não são os The Gift porque a electricidade foi reduzida ao menor denominador comum possível.

A perfeição não existe, mas quem quer ser perfeito? Tal como Janus no Olimpo não pode viver sem as suas duas faces, os The Gift não existem sem as suas duas almas. Continuaremos a segui-los de muito perto, pois os The Gift animados pelo pequeno génio do Nuno, o maravilhoso rapaz das sapatilhas prateadas; iluminados pela voz assombrosa da Sónia e guiados pela batida do Mário, são unicamente o melhor projecto musical português em muitos, muitos anos.

[Não posso terminar este post que tanto trabalho e tanto prazer me deu a escrever sem uma nota azeda. Caríssimos de Alcobaça: da próxima vez que queiram oferecer um concerto ao vosso fiel público, por favor não o façam desta forma. Numa sala cheia de bilhetes oferecidos pela CGD, em vez de fans tiveram um banho de multidão protagonizado pela habitual “turma do croquete”. Desde o gerente de conta bimbalhão a Faria de Oliveira passando por ministros com ar de enfado (Teixeira dos Santos não se livrou de umas valentes bocas à saída da festa), ninguém faltou à chamada. E muitos nem sequer evitaram o desagradável bocejo. Que não gostem dos The Gift até compreendo. Mas uma sala cheia de gente apalermada, cuja esmagadora maioria não sabe rigorosamente nada de musica – nem gosta, provavelmente – é coisa que os The Gift não mereciam para o seu sonho.]

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