terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

O início da história - A última democracia (II)

Até ao século XXI, uma 'universalização' poderia fazer-se no que respeita à democracia: onde ela é estável, não há guerra. Não significa que seja sempre assim, não podemos comprovar esta relação em absoluto, mas parece que não se têm registado excepções.

O ex-líder do Partido Liberal e Vice-primeiro-ministro da Suécia Per Ahlmark efectuou algumas estatísticas a este respeito no livro "An Open Sore" (1997), sem tradução para português [?!](deste autor, está disponível um outro artigo interessante na Internet: este de 2004 no Project Syndicate). De acordo com o estudo de Ahlmark, durante os primeiros oitenta anos do século passado, 170 milhões de pessoas foram mortas em situações de paz política (ou melhor, de não-beligerância). Desse total, 99% das mortes ocorreram em regimes totalitários e autoritários. As ditaduras comunistas massacraram mais de 100 milhões de pessoas. Na China, morreram 35 milhões. A União Soviética matou 62 milhões de pessoas. Números não faltam.

Todavia, e apesar do exposto, não há consenso substantivo sobre as fronteiras de uma democracia, ou seja os limites da sua corrupção, e se é ou não o Graal dos regime políticos aplicáveis às sociedades humanas. Parece haver consenso sim, quando se fala de direitos humanos, estado de direito, separação de poderes, liberdade económica, independência judicial, etc. Mas basta surgir um Hugo Chávez, um Putin, e a ferida ontológica da democria vem ao de cima. Como resolver esta incerteza pragmática do conceito?

Podemos ir pelo caminho seguinte, pelas respectivas razões principais:

Primeiro, o poder não tem uma única leitura das regras e princípios constitucionais e legais, nem há uniformização de interpretação da utilização do poder quanto aos que o exercem. Ou seja, o exercício do poder pode ter uma leitura e práticas antidemocráticas com as mesmas regras jurídicas e sociais e a mesama vontade popular. Aqui reside, aliás, uma das diferenças essenciais entre o direito constitucional e a ciência política, entre a regra e o facto, entre o dever-ser e o ser.
Segundo, pensemos na fórmula democrática atribuida a Lincoln «a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo». Será assim, o governo do povo? E pode sê-lo, actualmente, sem cair na demagogia? Será boa ideia, e prática, tudo o que o povo ter tudo o quer? Então, se assim é, é democrática a nação onde o povo votou contra ela (Ex. Venezuela)? E se o povo validar titulares e práticas tendencialmente não democráticos (Ex. Rússia)? E se a cultura do povo integrar normas consideradas anti-democráticas (Ex. Egipto)? E se o povo apoiar governantes que instituam liberdades económicas e possuam regras constitucionais inconstitucionais para o referencial democrático (Ex. Burkina Faso)?

Diferente é a fórmula de Popper, mais protectora da 'democracia' do próprio povo «a democracia nunca foi a soberania do povo, não pode ser, não o deve ser». E este ponto, acrescido do factor cultural específico de cada povo, é importante para melhor conhecer (ou tolerar) as diferentes práticas da democracia. A democracia não tem uma via única, nem é estática, mas tem um núcleo essencial. Que núcleo essencial é esse?

(continua)

Sem comentários: