quarta-feira, 26 de abril de 2006

Para um país que se preze, naturalmente.

Portugal é um país de alegres amadores. Até a revolução foi amadora. Somos amadores sobretudo nos grandes feitos. E fazemos questão de ser assim, é sinal de que não nos envolvemos muito nas coisas, o que dá muito jeito caso essas mesmas coisas corram mal. Nem há convicção, nem há desprezo. São as meias-tintas, as sopas do ‘nim’. Somos um país de grande coragem nas multidões. Poucos restam para a história de actos que inscrevem realmente os respectivos predicados. Salgueiro Maia e Otelo Saraiva de Carvalho são um bom exemplo disso. Independentemente da sua ideologia e da ilusão (sobretudo de Otelo, um utópico da demagogia no seu sentido literal), são homens que inscrevem, como diria José Gil. Outros houve, poucos, aos quais libertaram-se da pequenez e mesquinha política salazarenta. Mas foram muito poucos. Os outros já saíram depois do 25 de Abril, quando a parte militar da ‘revolução’ estava concluída. O povo português é pequeno e, consequentemente, mesquinho. Nunca deixou de o ser. A mesquinhez traz a censura social dos grandes líderes. Não admira que em Portugal se prefiram as lideranças colectivas (No 25 de Abril quem liderava?), prefere-se que ninguém sobressaia, sim, essa vil arrogância de pensar que se é mais do que os outros. Portugal abomina os líderes, as grandes ideias, as diferenças dos visionários, os riscos do empreendorismo, excepto depois do seu sucesso.. E não me venham falar dos Descobrimentos, estes não passaram de uma grande evasão monárquico-nacional. Descobrir é fácil, basta chegar lá com uma certa mistura de esperteza técnica e de ingenuidade heróica. Difícil é manter e cuidar o que se descobre.
O povo português é pequeno, sim, mas é bom. Somos uma boa nação, um bom país, com ‘bons homens’, como nos relembram sempre os populares de um velório. Somos grandes por dentro, convencemo-nos disso, e anões por fora. De uma forma geral, vale-nos o que é sempre fácil de fazer: falar. Não há nada que não possamos falar, mesmo do que não sabemos. E do 8 vai-se para o 80, ou seja, daqueles que quando sabem alguma coisa, julgam que já sabem tudo. Aqueles que estiverem a ler este post devem estar a cair nos preconceitos comuns da diferença, por exemplo, o negativismo, o dizer mal, a desvalorização do bom, etc. nada mais de errado. Fingir que está tudo bem, alinhar com os populismos maioritários, acomodar-se às benesses, utilizar as liberdades para proveito exclusivamente próprio, isso sim é destruir o país. Não há progresso sem refutação das premissas anteriores (Popper). Ora se as nossas premissas ainda são as do tempo do PREC, onde se incluem naturalmente as salazaristas, como havemos de atingir as metas de Abril?
Não há liberdade sem verdade. Temos que assumir o que somos para sermos melhor e acreditarmos é a força do sucesso. A actualidade não está para amadorismos e não serve (não deve servir) comodistas. É mesmo fazer algo mais do que ler posts pela blogosfera. Fazer algo mais do que escrever posts no mundo digital. Confesso que sei pouco sobre tudo e não há nada que saiba muito. Mas se há lição maior que retiro do 25 de Abril, é que ele foi feito com uma grande vontade de liberdade. E verdadeiramente foi a única coisa que ele trouxe. Sobretudo, liberdade cívica e liberdade democrática. E depois, o que fizeram as gerações dessa liberdade? O que fizemos nós, a maioria, com a liberdade? A passividade. A maioria move-se na passividade, seja ela cívica, política, social ou solidária, entre outros. Os portugueses ainda não encontraram um verdadeiro sentido para a liberdade. A era dos deveres (Bobbio) e da responsabilidade (H. Jonas) ainda não passou pelo povo português. Suspeito que somente com uma grande crise, como a actual, poderá voltar a pauta do nosso comportamento por essas virtudes públicas (Aristóteles).
O que é Portugal, numa das suas essencialidades, hoje? Cada um quer saber de si, cuida dos seus, com prejuízo pelo sentido de comunidade e de bem comum. Este é o retrato de Abril de 2006. As grandes obras do Guiness, os grandes escândalos, as garrafais notícias, as faltas dos políticos, os bem-escritos planos nacionais são espumas deste país onde nada se inscreve. Adoramos andar entretidos com ela. É uma boa desculpa para não pensarmos no futuro. Mas, como escreveu Paul Valéry, o futuro é já amanhã. Mesmo para uma imensa minoria, que o somado anuário do 25 de Abril sirva ao menos para isso: para pensarmos sobre o nosso futuro. E essa imensa minoria sabe que nunca a História trouxe sucesso a um futuro de um povo ou nação sem uma estratégia. Uma estratégia nacional implica apostar numa coisa em detrimento de outra, e apostar forte. Não favorece consensos ou meias-tintas, tentando agradar a todos, dstribuindo o mal por todos as aldeias (mais uma vez aqui a bendita pequenez popular). Uma estratégia nacional sem amadorismos e comodismos, com liderança. Talvez tenhamos que mudar de mentalidade, mas antes mudar de mentalidade que de nacionalidade. Para um país que se preze, naturalmente.

NCR

2 comentários:

Suspirador disse...

Magister dixit!

@rmando disse...

Pois tudo isto é bem verdade.
Mas mudar mentalidades não é de um dia para o outro.
Tem que haver um processo de aprendizagem desde a pré-primária até à vida adulta.
E quando a educação for essa então sim mudamos alguma coisa.