Seis e meia da manhã. Toca o despertador no quarto 219 do Íbis de Marraquexe. Durmo no Íbis - e não num charmoso Riad bem no coração da Medina - junto à moderna e lindíssima gare central da cidade na Avenida Hassan II porque o hotel, tal como a gare, é isso mesmo: central. Fica junto a uma praça que marca o final da estrada de onde eu vinha: Essaouira. E essa mesma praça me envia directamente para a estrada para onde terei de ir hoje (ontem): Casablanca; e depois Tanger e depois Tarifa e Sevilha e enfim Lisboa.
Pouco depois das sete da manhã. Discuto pela enésima vez com um putativo “gardian de l’ auto”. Desta feita recuso-me vigorosamente a ser (mais uma vez!) extorquido e pago apenas um quinto do valor pedido. Esta é a pior face marroquina. Gente e mais gente que quer ganhar dinheiro fácil sem fazer rigorosamente nada para tal. A culpa é nossa do turista ocidental…, que acha graça e vai colaborando na jogada.
Ainda não são sete e meia da manhã. Subo a Boulevard Abdelkim Al Khattabi em direcção à estrada que me levará à longa viagem de regresso. Pelo menos pela segunda vez nesta viagem escapo por um nanossegundo ao acidente rodoviário. Em Sifi Ifni quase atropelei um tresloucado que saiu de um mini -bus em direcção à estrada sem olhar para lugar nenhum. Aqui foi mesmo um mini-bus que faz inversão de marcha em cima de um risco contínuo. Desta feita foi mesmo rés-vez.
Tanger, porto, perto das duas da tarde. Por poucos minutos perco o ferry para Tarifa. Fico ali a olhar enquanto o enorme barco parte, preso nos ridículos procedimentos de segurança da fronteira marroquina. Fico com a sensação que poderia ter trazido os quilos de haxixe que me apetecesse e fico com a certeza de que não vou estar logo à noite (ontem à noite) na Catedral para ver o nosso Querido Clube numa meia-final europeia.
Já no deck do enorme barco fico a saber via telemóvel o que se tinha passado nessa manhã no coração da cidade onde de manhã cedo tinha acordado. Na altura nem me apercebi bem da factualidade…, só mais tarde, primeiro a ouvir a Cadena Ser enquanto cruzava já noite cerrada a serra de Aracena, depois já em casa a ler os jornais on line, é que apercebo dos factos.
No inicio deste milénio a UNESCO baptizou o local deste atentado, a Praça Jemaa el-Fnaa, nem mais nem menos como “obra-prima da Herança da Humanidade”. Com esta é a terceira vez que visito este local único. E estas são as palavras certas para descrever o que é a Praça Jemaa el-Fna. Praça a que nenhuma imagem faz jus. Só mesmo estas palavras que repito: obra-prima da Herança da Humanidade.
O silogismo final de tudo isto é simples para quem leu este texto com a mínima atenção. Sobreviver não é nada de especial. No Rossio ou na Jemaa el-Fna no delta do Nilo ou do Mekong, numa estrada alemã ou vietnamita. Milhares de milhões sobrevivem à sua maneira diariamente. A sorte de um homem é escapar, diz-se.
Duro, duro é ver que apesar de dezenas de séculos de Historia, Cultura e Desenvolvimento a natureza humana é tão rica mas ao mesmo tempo tão negra que continua a produzir indivíduos (e grupos de indivíduos) autofágicos que têm apenas como escopo a tentativa de eliminar a profunda riqueza da sua própria raça.
Nunca o conseguirão; nunca!
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