quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Crise: realismo ou paranóia

Oiço falar de crise desde que lembro que existo. Vou citar alguns exemplos apenas de memória, sem querer ser exaustivo. Recordo-me vagamente dos tempos do designado PREC - período revolucionário em curso -, depois recordo-me da crise do petróleo de finais dos anos 70, da crise financeira portuguesa dos anos 80, da crise da PGA - prova geral de acesso ao ensino superior -, da crise do bloco socialista-soviético culminada em 1989, terminando com a «guerra [nuclearmente] fria» do mundo bipolar, da crise asiática de 1997, da crise da bolha tecnológica dos anos 90, da crise da História com o seu apocalipse fukuyamico, da Guerra huntingtoniana das Civilizações, incluindo a sua versão «cartoonista» do século XXI, da crise de segurança de 2001, da crise partido-governamental de 2004, da crise financeira de 2008, da crise económica de 2009, para não falar de todas as crises que me acompanham desde a infância: a crise do Estado-Providência, a crise da representação política, a crise dos partidos, a crise da política, Acresce a crise de valores, da família, das empresas, da sociedade, etc, etc. Mesmo para além do passado e presente, ainda diz a futurologia bem-pensante que uma crise social espera por nós no curto-prazo. Tudo está em crise! Mas sempre?!

Parece que a conclusão a retirar desta troika sucessiva de décadas é uma de duas: ou vim a um mundo mais do que miserável e regular da História da humanidade, e não se trata de má hora ou de azar ter nascido neste período, porquanto o mundo não é mais do que isto mesmo: "crises"; ou surgi num momento da história da humanidade tão infeliz e anormal que, fomentado pela massificação da análise e do comentário comunicacional, de tal ordem gerou, e gera, uma espécie de psicose paranóico-compulsiva crisológica de largo espectro biológico, que a civilização humana não sabe exprimir-se e dialogar, ou reflectir, de forma adequada, sem apelidar a ordem dos acontecimento com a palavra "crise". Como que só soubesse exprimir a sua compreensão do mundo moderno transformando o substantivo crise num conclusivo adjectivo inerente à comunicação dos actores da sociedade moderna actual.

Não pretendo menosprezar o difícil período que se atravessa, nem tampouco afastar o conceito de crise do período actual. A minha posição é mais interrogativa que analítica. Daí que o que eu gostava mesmo de saber, sobre os meus conhecimentos razoavelmente mínimos de História universal, era se as outras gerações também sentiram esta eventual paranóia de que tudo está prestes a desmoranar-se à sua volta, ou a transformar-se ou em revolução, e se sentiram que, numa vida, ninguém escapa ao sobe e desce da escala material-social, qual rochedo de Sísifo.

Assim sendo, se a aplicação do conceito de "crise" caracteriza a normalidade da rotina humana, porque constitui a regra das nosas vidas e não a excepção, então reinvente-se o conceito de crise e façamos da crise o momento alto da nossa vida. Caso contrário, arriscamo-nos a não saber viver doutro modo, com outra postura de diálogo, outro comportamento social, ou mesmo noutra realidade, seja qual for a sua verdade.

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