Na ressaca do 25 de Abril e de toda a governação PSD/CDS-PP, há uma
questão de fundo resultante da “política” governamental: há legitimidade
para um Governo ir mais longe (leia-se, ser mais austero) do que aquilo
que prometeu nas eleições pelas quais foi eleito?
A questão não é nova e já está assente nos sistemas anglo-saxónicos,
onde a regra, há já largas décadas, é a consagração de sistemas de
governos maioritários. Em nenhum lado, todavia, a questão é de resposta
fácil, mas para ser curto, não pode deixar de ser SIM, mas com limites.
Quanto ao sim, defendo que, fora as tácticas partidárias e as opções
pessoais das “personalidades” políticas, prefiro, como cidadão, que a
linha de orientação política governamental seja definida e diferenciada,
e que leve a(s) sua(s) política(s) até ao fim, custe o que custar,
excepto, e aqui vem os limites, no que respeita aos valores e princípio
estruturantes constitucionais. Ora, aqui chega-se a vexata questio.
Em concreto, quais são esses limites? Aqui e agora, impele-me dizer que
o critério mais adequado parece ser o da insuportabilidade dos efeitos
continuamente prejudiciais de “reformas”, acrescidos de desvalor
inconstitucional. Tudo de leitura e aplicação cumulativas. Ora, neste
critério não cabe a mera discordância, nem a opinião de “destruição do
25 de Abril”, ou seja, não é uma questão de combate político.
Sou defensor do integral cumprimento dos mandatos dos governos
eleitos, porque, prefiro a eficácia governativa à instabilidade da
governação, e considero que os eleitores devem ser responsabilizados
pelos seus votos. Até ao fim, custe o que custar, nos limites da
suportabilidade, como disse, e sem prejuízo do combate político
constante (mas este não deve colocar em causa o regime democrático).
Mas, podem perguntar alguns, e se o Governo prometeu uma coisa e faz
outra? E se anda a fazer políticas estruturantes sem as ter prometido?
Então, o cidadão que considerar tal facto inaceitável resta a atitude
responsável de participar na política e na sociedade civil de forma
mais activa e/ou votar noutro partido no acto eleitoral respectivo
seguinte. Democracia é também isso: poder testar-se novas (ou velhas)
políticas, incluindo as ideológicas, e cada um poder não se conformar
com elas, com liberdade de mudá-las e de criar novas mas em contexto
democrático e eleitoral. Por isso é a democracia churchilliamente o pior
sistema político, para que as pessoas não se desresponsabilizem, nem
potenciem a anomia social e institucional.
A resposta à pergunta do título é portanto sim, dentro dos
fundamentos e pelos motivos expostos, e sem prejuízo do combate político
da oposição, naturalmente. Cada partido e variante ideológica deve
poder praticar a sua “política”, mesmo que nefasta para alguns, pois
caso contrário, como responsabilizar os partidos dos governos? Caso
contrário, que tipo de cidadãos se sentem motivados para fazer política,
se “tudo” e “todos” são lineares? Caso contrário, que tipo de exemplo
de responsabilidade política estamos a semear para as gerações actuais e
vindouras, porque os governos em rigor não podem “governar”? Que caso
de uma nação sem audácia ou determinação legaremos se “tudo” muda em
nome da cultura do nivelamento consensual, que só fortalece ainda mais
as elites partidárias e corporativas? E quando for a nossa vez?
Ganhar é também valorizar a legitimidade, pela sua postura face aos
adversários, e merecer ganhar é cumprir antes de prometer…essa é a
diferença da nova geração de políticos e da nova geração dos partidos…
Ganhar, em democracia, é cada um poder defender e praticar o seu caso!