Paulatinamente, assistimos a uma redefinição do conceito de democracia, e uma certa maneira de praticar a política dentro deste tipo de regime político. As revoluções democráticas (ou seja, sufragadas ou legitimadas pela vontade popular) não são novas, recentes são as tentativas de revolução popular através de eleições, tudo indica, democráticas, antes e durante a conquista do poder. Não que seja algo nunca visto (o exemplo de Hitler é elucidativo), contudo, pode dizer-se que há uma moderna maneira de conquistar e exercer a democracia, como que, silenciosamente, se substitua à demagogia disfarçada e controlada, com uma certa obsessão pela manipulação. Talvez a maior originalidade esteja no facto de a justificação da conquista ou manutenção do poder ser a própria democracia, auto-legitimando-se, pelo simples facto de o governante ter sido sufragado. Neste sentido, o peso da limitação jurídica e não jurídica do poder . O conceito de democracia está mais pequeno, mais reduzido, menos exigente, menos formal e institucional. Dentro da democracia, o importante é as eleições. Tudo o resto é legitimidado pelo voto anterior. Ou então, caso a(s) política(s) seja(m) antidemocrática(s), regressa-se às eleições, seja por referendo, plebiscito ou por novas eleições legislativas ou presidenciais, cosoante o regime seja de pendor parlamentar ou presidencial.
A tendência do poder democrático neste século é, assim, justificar-se a si mesmo, recentralizar-se, petrificar-se, personalizar-se, para que o poder mais dela - da democracia - possa beneficiar, chegando ao cúmulo de se a defender a pretexto de uma directa intervenção do povo no ilusório e utópico exercício do poder.
Como já devem ter reparado, com algumas excepções africanas e asiáticas, poucos são os governantes que rejeitam liminarmente a democracia ou as suas diversas dimensões, seja com que veste for, para legitimarem o seu poder. Temos os casos de Cuba, Irão, Paquistão, Venezuela, Quénia, Guiné-Bissau. Pode dizer-se que não são democráticos, mas o discurso legitimador do poder é o de que são, que existem para o bem do povo, para a Nação, assente na vontade popular, etc.
Noutro quadrante,o mundo ocidentalizado percebe o princípio democrático de forma diferente e, e este sempre foi uma angústia para os estados de direito, pretende universalizá-la como o único regime político intrinsecamente legítimo. Mesmo quando o povo delibera, em eleições ou referendos, que prefere a não democracia ou candidatos «não-democráticos», ou mesmo quando a oposição "não democrática", com margens eleitorais avultadas, pretende legitimar algumas das suas ideias que, na substâancia, são de duvidosa democraticidade.
(continua)
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