Sócrates decidiu ratificar o Tratado de Lisboa no parlamento por 3 razões:
1 - Há um consenso alargado na sociedade portuguesa quanto ao projecto europeu e quanto ao próprio Tratado de Lisboa;
2 - A ratificação pelo Parlamento é tão legítima e democrática como a ratificação referendária. E iria pôr em xeque, sem qualquer fundamento, a plena legitimidade da ratificação pelos parlamentos nacionais que está a ser feita em todos os outros países europeus (designou por ética da responsabilidade);
3 - O Tratado de Lisboa é diferente do antigo projecto de Tratado Constitucional. O compromisso eleitoral para um referendo referia-se, expressamente, a esse Tratado Constitucional e não a outro qualquer, invocando o programa do partido socialista para o efeito.
No monte discursivo da fundamentação destas razões veja-se como se constrói uma argumentação política. Uma pérola:
1 - "nada seria mais fácil e mais conveniente para o Governo do que agendar uma campanha política para um referendo sobre o Tratado de Lisboa. Nada vinha mais a calhar do que contar votos a propósito do projecto europeu que a maioria dos portugueses apoia e, durante meses, centrar o debate político num dos maiores sucessos do Governo, alcançado em Lisboa durante a Presidência portuguesa";
2 - "O Parlamento é o coração da democracia representativa ";
3 - "Para que não restem dúvidas, passo a ler o compromisso eleitoral do Partido Socialista. Dizia assim, página 154: «a prioridade do novo Governo será a de assegurar a ratificação do Tratado Constitucional». Repito: «ratificação do Tratado Constitucional». Foi a propósito desse Tratado que o Partido Socialista defendeu no seu Programa, e cito de novo, «que a aprovação e ratificação do Tratado deva ser precedida de referendo popular». Ora, como todos sabem, acontece que o projecto de Tratado Constitucional foi entretanto abandonado e já não existe".
4 - "O Tratado, realmente, mudou. Certamente, foi possível manter muito do que vinha dos Tratados em vigor e até das novidades do projecto de Tratado Constitucional. Mas mudou. Mudou na sua natureza e no seu conteúdo. É um Tratado diferente. Um novo Tratado.".
5 - "A ideia de que deve haver uma espécie de regime especial de tomada de decisão, que obrigaria, por natureza, as decisões políticas sobre o avanço do projecto europeu a sujeitar-se a 27 referendos nacionais, é uma ideia que tem um único objectivo: bloquear e boicotar o projecto europeu."
Assim, o povo português ficou a saber:
1 - Onde mora a imbecilidade de quem vota com base em programas eleitorais;
2 - Que nada falha tanto na vida como o sucesso... e a política;
3 - O seu papel - do Zé e da Zézinha -, na discussão e participação na organização e funcionamento das instituições da União Europeia é.... ficar caladinho!
Talvez, Sócrates, afinal, sempre tenha respeitado o oráculo de Delfos, por temor à repetição das profecias da Pitonisa de Delfos a Creso*!
*Creso, último rei da Lídia que reinou de 561-547 a.C. tinha dois filhos, Átis e um outro que era surdo-mudo. Na obra Histórias, Heródoto relatou que numa época de prosperidade, Creso empregara todos os recursos para curar a surdez e mudez desse filho. Naturalmente, à época, recorrera ao oráculo de Delfos, tendo-lhe dito a pitonisa: "Lídio, rei de vários povos, insensato Creso, não procureis ouvir no vosso palácio a voz tão desejada do vosso filho. Melhor será para vós não ouvirdes nunca; ele começará a falar no dia em que começar a vossa desgraça". E assim foi. Quando ele falou, Creso foi deposto e começou a derrocada do pequeno império, sendo, parece-me, tomado pelos persas.
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