"É bem mais fácil passar do agora existente ao óptimo, que do herdado ao que já temos"
Duarte Pacheco, Exposição de Obras Públicas, Lisboa, 1948.
A discussão à volta da localização do novo aeroporto internacional de Lisboa (NAIL) é contemporaneamente decisiva e fundamental para a melhor solução política a concretizar pelo Governo português. É sempre difícil tomar uma decisão estratégica, é uma decisão para um longo-prazo, um futuro onde ninguém consegue prever com exactidão, e convencer todos os outros dessa previsão, o que na realidade acontecerá nesse período da posteridade. Aliás, se a estratégia fosse uma acção e reflexão fáceis, não teria surgido somente, em força, nos anos 90 (!) a literatura da Estratégia em Gestão, oferecendo aos seus gurus pódios oficiais e púlpitos de autoridade em matéria da melhor administração dos recursos. Portanto, quem quer reflectir sobre o NAIL, não pode, não deve, pensar com a realidade do passado, nem do presente, antes sobre a realidade do potencial, do futuro, numa base racional, íntegra, sem preconceitos e, até, visionária.
O problema, como a História avisa para quem quer saber, é que, por vezes, nem sempre é assim, e outras vezes, poucas, acontece e faz-se, mas com imensas e importantes vozes discordantes e críticas, quando não demolidoramente críticas. Neste último caso, basta atentarmos ao século XX, o século das grandes obras públicas portuguesas, e mundiais de uma forma geral. No início do século, veja-se a discussão em torno da introdução de carros eléctricos (1902), da construção do Palácio de Cristal, do Elevador de Santa Justa, da Moagem do caramujo, dos Portos de Lisboa e de Sines (todas das primeiras décadas do século), passando também essa mesma discussão crítica (e bem) pela Marginal Lisboa-Cascais (1937), o Viaduto Duarte Pacheco (1944), a Ponte de Arrábida sobre o Douro, de Edgar Cardoso (1963), até às obras públicas mais recentes como o CCB (1992), a Expo 98, a ponte Vasco da Gama (1998), a Casa da Música (2001) ou a Barragem do Alqueva (2002), contanto que, naturalmente, todas elas tenham subjacentes críticas especificas e respectivos fundamentos diversos.
Não quero afirmar a ideia de que os «modernistas ou vanguardistas» têm sempre razão ou que se deve acolher todas as ideias que tenham essa feição. Aqueles breves exemplos históricos servem apenas para reconhecermos que nenhuma grande obra pública é pacífica na mobilização e unívoca na argumentação, e ainda bem, pois, mais não seja, trata-se da aplicação de dinheiros e recursos públicos. Mas também quero dizer, com honestidade, que tenho alguma tendência, e simpatia, para aderir a projectos que pareçam, no presente, megalómanos ou demasiado arriscados do ponto de vista estético ou espacial e, assim, do investimento estruturante e geracional. E, por falar em tendências, o sobrecitado e breve enquadramento histórico também nos permite concluir que, habitualmente, os autores e decisores dos grandes projectos de obras públicas têm razão ou, se preferirem, não têm razão no seu tempo. Repito, habitualmente.
Nestes termos, e voltando ao NAIL, devo dizer que considero a sua discussão fundamental para se encontrar a melhor solução para o país (não me enganei, não é Lisboa, é país) e, também, para mais tarde se clarificar quem estava certo e quem estava errado, e se fazer justiça aos próprios. Porque o risco do erro deve fazer parte, e faz (ao contrário do que julgam alguns), da decisão política. Aliás, é inerente à própria estratégia. Sem risco do erro, não há estratégia.
Ora, parece-me que a discussão à volta do NAIL está a ser muito limitada pela actualidade, estreitada pelo seu contexto local (delimitado à “capital”), amordaçada a uma óptica de mera despesa (em vez de a prevalecer como investimento) e circunscrita a uma visão (em rigor, é uma vista, e curta) meramente táctica, conjugada com interesses pessoais ou políticos. E tal considero deplorável. Basta fazer-se o exercício da prova dos nove, substituído pelos respectivos argumentos, e veja-se o maior denominador comum de cada um.
Por isso, considero que a discussão ideal sobre o NAIL deve fazer referência e uma análise profunda aos seguintes pontos.
Em primeiro lugar, deve ter-se uma pré-compreensão estratégica, construtiva e intelectualmente séria sobre a discussão e busca da melhor localização para o NAIL. Deve estar-se aberto a novas ideias e a arriscar numa visão sustentável para o futuro, ainda que não sustentada no curto-prazo.
Em segundo lugar, o NAIL, não obstante ser em Lisboa, não é para os cidadãos de Lisboa. O NAIL é uma obra pública nacional, que deve ter em conta o seu contexto regional, nacional, europeu e mundial. Pensar que um aeroporto de biliões (americanos, i.e., em ordem dos mil milhões) é para usufruto exclusivo de Lisboa, quando a esmagadora maioria dos seus utilizadores não é lisboeta, é como ver o céu de dia e dizer que não há estrelas.
Em terceiro lugar, o NAIL deve ter em conta a economia mundial, as estratégias e novas tendências de competitividade dos países em ascensão e que são ou podem ou devem ser potenciais clientes (como os chineses, indianos, russos, norte-americanos, brasileiros, entre outros). Aqui exige-se especial astúcia e dimensão visionária, visto que, nunca como agora, é tão elevada e célere a mutação das economias e do comércio internacional, fruto da globalização. Ou seja, quem daqui a dez, quinze anos está a liderar em termos económicos e comercias (importante, por causa do turismo) o Mundo? Quem são, e serão os novos actores da mobilidade e dos transportes, em todas as suas áreas? Consequentemente, que infra-estruturas e estratégias de desenvolvimento e crescimento, nesse sentido, deve possuir e seguir Portugal?
Em quarto lugar, perceber o que é hoje, na Europa e no mundo, a Portela e se pode enfrentar os desafios e os objectivos que Portugal deve ter. Sabe-se que, neste momento, a Portela, ou seja, Portugal, está a perder transporte de carga e prevê-se, para breve, perder passageiros. Segundo um estudo internacional e especializado de 2004, o fluxo total nacional de transporte era de 55,4%, um dos mais baixos valores das capitais europeias, comparado, por exemplo, com Praga (95,2%), Amesterdão, (94,9%), Helsínquia (90,1%), Copenhaga (89,4%), Viena (80,3%), Estocolmo (74,9%) e Atenas (46,3%), que está em ascensão.
Em quinto lugar, a construção do NAIL deve constituir uma oportunidade para fazer progredir estrutural e ambientalmente o país, modernizando alguma das suas infra-estruturas e serviços, harmonizando as acessibilidades e mobilidades, consagrar a intermodalidade e interoperabilidade dos transportes, conciliando soluções de coesão social e de ordem económica e ordenando o território da região, da área metropolitana de Lisboa. Estes objectivos terão um efeito multiplicador também na formação e qualificação dos recursos humanos e, assim, na produtividade regional e nacional.
Por último, e em sexto lugar, deve discutir-se o NAIL com o objectivo de o tornar maior e melhor, com referências europeias e mundiais, segundo modelos de gestão expansionistas, abertos e participados, optimizadores dos recursos naturais, humanos e materiais, de excelência nos serviços e grandeza no bem-estar e na qualidade dos seus beneficiados.
Assim, sou defensor de um NAIL, único, sem Portela, de preferência construindo-se uma cidade aeroportuária.
Presentemente, vivemos um tempo de oportunidade para construir um aeroporto do futuro, contextualizado (local, regional e mundialmente), congregador de todos os “actores” aeroportuários (incluindo a população local), ordenado e ordenando o nosso território, uma oportunidade para melhorar as acessibilidades, os transportes, o ambiente urbano (sobretudo o de Lisboa), o desenvolvimento regional, a formação e a qualificação profissional entre outras ferramentas de oportunidade.
Numa palavra, há que não ter medo de raciocinar sustentavelmente em grande e para o futuro, em nome de uma defesa íntegra e determinada de Portugal nesta terceira grande guerra chamada globalização.
Só assim se fica na História, só assim se não fica pelo histórico.
1 comentário:
"Só assim se fica na História, só assim se não fica pelo histórico".
É uma grande conclusão para um enorme pensamento.
O único problema (há sempre um "mas") é que parece que estamo-nos sempre a dimensionar para um mundo em que temos um papel mais importante que - na realidade - temos.
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