quarta-feira, 7 de março de 2007

A propósito de Nós

Há muito que não lia um artigo simples e incisivo como este, de Jorge Araújo, no Diário Económico. Há algum tempo, em conversas avulsas, que venho defendendo a necessidade de se destacarem pessoas com uma visão total da sociedade, políticos e não políticos, mas é muito rara, raríssima mesmo, na nossa comunidade. Os comentadores e analistas abundam (e talvez deva acrescentar os bloguistas), mas poucos se preocupam com a defesa da sociedade no seu todo. Ao contrário do socialmente correcto, são os políticos a classe, na minha opinião, que mais defende (também por dever de ofício naturalmente) a visão nacional e o interesse não corporativos (pois serão quem, os juízes? os professores? os jornalistas?), mas é uma visão ainda demasiado conservadora, formal e retrógrada em muitos aspectos. A cultura e a mentalidade presentes ainda se entretêm com a palavra amiga, o aperto de mão solidário, o sorriso cúmplice, o artigo que dá uma mãozinha, etc. Sem esquecer a «enorme estima pessoal e elevada consideração» que todos têm entre todos, todas elas «vossas excelências».

Todos nós temos os nossos interesses pessoais e posições ideológicas, mais ou menos definidos. Todavia, quando se pensa a sociedade temos que nos esforçar em vê-la como que numa perspectiva aérea, porque nenhuma sociedade é justa e livre se administrarmos, legislarmos ou julgarmos, em nome da coisa pública, segundo o que nós faríamos na esfera privada ou individual com o poder ou a autoridade nas mãos. O mesmo se diga daqueles que criticam ou desprezam constantemente os que agem em nome da república. Muitos deles, desses críticos, o único contributo que fazem, como cidadãos, é pagar impostos. E muitos pagam-nos queixando-se deles e outros tantos porque, provavelmente, deles não podem escapar.

Ou seja, a cultura individual e social dominante em Portugal é a de criticar, sobretudo negativamente, sem ter sequer uma opinião fundada ou, muito menos, uma alternativa à solução criticada. O mal, portanto, não está na crítica, pois ela é filha da liberdade e barómetro da cidadania. O mal está em não utilizá-la de forma justificada e construtiva ou empregá-la sem a mínima seriedade. E desta forma, oportunamente, esquece-se, ou ignora-se, que a crítica é também filha da responsabilidade, emergindo somente a habitual esquizofrenia lusa, bem patente no gesto povinho bipolar.

Há muitas maneiras de lutarmos por uma sociedade melhor, mas para quem não contribui um chavo para dar o exemplo de uma educação cívica, das duas uma: ou muda de atitude, porque nunca é tarde de o fazer, ou continua a julgar-se diferente, incontaminável às impurezas políticas, e a limitar-se à submissão (sem disso ter consciência) revoltada dos 'outros que mandam'.

Concluindo, numa palavra, liberdade e seriedade não são a mesma coisa. A primeira não se esgota na segunda.

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