"A humanidade ganha mais tolerando que cada um viva conforme o que lhe parece bom, do que compelindo cada um a viver conforme pareça bom ao restante." (John Stuart Mill)
Um lado menos conhecido do poeta Fernando Pessoa é seu legado sobre economia e política, que Gustavo Franco ajudou a resgatar no livro A Economia em Pessoa, que organizou. O livro conta com artigos da época em que Pessoa escrevia para a Revista de Comércio e Contabilidade. Durante a leitura, fica claro que o poeta não era um leigo no assunto, e seus argumentos permanecem atuais e importantes para a defesa de coisas como a globalização, a privatização e o livre comércio. Em um dos artigos, intitulado As Algemas, Pessoa condena vários tipos de legislação restritiva, incluindo o tipo que pretende beneficiar o consumidor individual, proibindo a venda de determinados artigos – desde a cocaína às bebidas alcoólicas – por o seu uso ou abuso serem nocivos ao indivíduo. Fernando Pessoa era totalmente contra isso, e usa a Lei Seca como estudo de casos.
Em primeiro lugar, o poeta considera deprimente e ignóbil a circunstância de se "prescrever a um adulto, a um homem, o que há de beber e o que não há de beber". Compara tal atitude com a de colocar um colete-de-força num cão. Alerta que, indo por esse caminho, "não há lugar certo onde logicamente se deva parar", já que "se o Estado nos indica o que havemos de beber, por que não decretar o que havemos de comer, de vestir, de fazer"? Vai mais além, questionando por que o Estado não haveria de prescrever onde devemos morar ou com quem devemos dar-nos. Afinal, "todas essas coisas têm importância para a nossa saúde física e moral; e se o Estado se dispõe a ser médico, tutor e ama para uma delas, por que razão se não disporá a sê-lo para todas"? Ele lembra ainda que o Estado não é uma entidade abstrata, mas "se manifesta através de ministros, burocratas e fiscais – homens, ao que parece, e nossos semelhantes, e incompetentes portanto, do ponto de vista moral, senão de todos os pontos de vista, para exercer sobre nós qualquer vigilância ou tutela em que sintamos uma autoridade plausível". Como John Stuart Mill defendeu em A Liberdade, "o indivíduo não presta conta de suas ações perante a sociedade, na medida em que estas dizem respeito unicamente a ele, e a ninguém mais".
Passando ao exemplo empírico, Pessoa demonstra o completo fracasso da Lei Seca americana. De cara, temos a conseqüência do acréscimo da corrupção dos funcionários do Estado, além dos privilégios dos ricos sobre os pobres, já que estes não podem pagar os subornos que aqueles podem. Como outra conseqüência, estabeleceu-se dentro do Estado um segundo Estado, de contrabandistas, uma organização coordenada e disciplinada, destinada à técnica variada da violação da lei. "Ficou definitivamente criado e organizado o comércio ilegal de bebidas alcoólicas", ele afirma. Logo, tem-se a substituição do comércio honesto e normal por um desonesto e anormal, com o agravante deste se tornar um segundo Estado anti-social, dentro do próprio Estado. Por fim, Pessoa lembra que quem tem dinheiro continua a beber o que quiser, enquanto que quem tem pouco dinheiro mas é alcoólico, bebe da mesma maneira mas gasta mais, saindo prejudicado financeiramente. E há ainda os casos "tragicamente numerosos, dos alcoólicos que, não podendo por qualquer razão obter bebidas alcoólicas normais, passaram a ingerir espantosos sucedâneos – loções de cabelo, por exemplo – com resultados pouco moralizadores para a própria saúde". Surgiram ainda várias drogas não-alcoólicas, só que mais prejudiciais que o álcool, que sendo livremente vendidas, arruinam a saúde, mas dentro da lei.
A conclusão de Fernando Pessoa sobre o assunto geral das restrições ao comércio e em particular sobre o paternalismo estatal contra as drogas é que "a legislação restritiva, em todos os seus ramos, resulta, portanto, inútil e nociva".
Em primeiro lugar, o poeta considera deprimente e ignóbil a circunstância de se "prescrever a um adulto, a um homem, o que há de beber e o que não há de beber". Compara tal atitude com a de colocar um colete-de-força num cão. Alerta que, indo por esse caminho, "não há lugar certo onde logicamente se deva parar", já que "se o Estado nos indica o que havemos de beber, por que não decretar o que havemos de comer, de vestir, de fazer"? Vai mais além, questionando por que o Estado não haveria de prescrever onde devemos morar ou com quem devemos dar-nos. Afinal, "todas essas coisas têm importância para a nossa saúde física e moral; e se o Estado se dispõe a ser médico, tutor e ama para uma delas, por que razão se não disporá a sê-lo para todas"? Ele lembra ainda que o Estado não é uma entidade abstrata, mas "se manifesta através de ministros, burocratas e fiscais – homens, ao que parece, e nossos semelhantes, e incompetentes portanto, do ponto de vista moral, senão de todos os pontos de vista, para exercer sobre nós qualquer vigilância ou tutela em que sintamos uma autoridade plausível". Como John Stuart Mill defendeu em A Liberdade, "o indivíduo não presta conta de suas ações perante a sociedade, na medida em que estas dizem respeito unicamente a ele, e a ninguém mais".
Passando ao exemplo empírico, Pessoa demonstra o completo fracasso da Lei Seca americana. De cara, temos a conseqüência do acréscimo da corrupção dos funcionários do Estado, além dos privilégios dos ricos sobre os pobres, já que estes não podem pagar os subornos que aqueles podem. Como outra conseqüência, estabeleceu-se dentro do Estado um segundo Estado, de contrabandistas, uma organização coordenada e disciplinada, destinada à técnica variada da violação da lei. "Ficou definitivamente criado e organizado o comércio ilegal de bebidas alcoólicas", ele afirma. Logo, tem-se a substituição do comércio honesto e normal por um desonesto e anormal, com o agravante deste se tornar um segundo Estado anti-social, dentro do próprio Estado. Por fim, Pessoa lembra que quem tem dinheiro continua a beber o que quiser, enquanto que quem tem pouco dinheiro mas é alcoólico, bebe da mesma maneira mas gasta mais, saindo prejudicado financeiramente. E há ainda os casos "tragicamente numerosos, dos alcoólicos que, não podendo por qualquer razão obter bebidas alcoólicas normais, passaram a ingerir espantosos sucedâneos – loções de cabelo, por exemplo – com resultados pouco moralizadores para a própria saúde". Surgiram ainda várias drogas não-alcoólicas, só que mais prejudiciais que o álcool, que sendo livremente vendidas, arruinam a saúde, mas dentro da lei.
A conclusão de Fernando Pessoa sobre o assunto geral das restrições ao comércio e em particular sobre o paternalismo estatal contra as drogas é que "a legislação restritiva, em todos os seus ramos, resulta, portanto, inútil e nociva".
(substitui a foto no post original por esta, que apanha Pessoa em "flagrante delitro")
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