Foi preciso uma aula de inglês para saber quem ganhou a série televisiva "Grandes Portugueses". E quando me disseram que tinha sido Salazar o vencedor e Cunhal o segundo mais votado confesso que ri. E quando me disseram que a votação do primeiro foi pouco mais do dobro da do segundo, simplesmente sorri. E quando logo a seguir Zoe (the teacher) perguntou como nos sentíamos face a estes resultados posso dizer que a minha feição ficou seríssima, no sentido de, jocandi causa, "apetecer chorar". Isto soa a esquizofrénico, mas confesso que só me apercebi da dimensão desta cena já na hora da sesta, coisa que Salazar se dava ao luxo de não dispensar.
A eleição de ontem (sim foi uma eleição), suscita-me sobretudo 3 comentários:
1) A honestidade [mesquinha e comiseradora] (Salazar, Cunhal, Afonso Henriques, A. Sousa Mendes) e a paternalidade (Salazar, Cunhal, Afonso Henriques, Marquês de Pombal) são as características mais importantes de uma grande personagem público- política;
2) O radicalismo político (os dois mais votados) é um factor despiciendo na apreciação da grandiosidade ou carácter das personagens históricas;
3) A debilidade portuguesa em participar seja no que for é nacionalmente congénita.
Quanto ao mais, refira-se que esta eleição nacional tem os defeitos e as virtudes de todas as consultas populares (sobretudo no que respeita a séries ou concursos de TV como a presente, tipo Big Brother, como já o NSS invocou). E tem, também, as surpresas naturais e típicas dos processos electivos. A título de exemplo (e referindo-me ao concurso ab initio), como é que é possível qualquer português democrático preferir Salazar ou Cunhal a Mário Soares?!* Tenho uma razão para isto, mas não sei se é por crença ou, antes, por convicção: assim como Afonso Henriques ou Camões ou Pessoa eram odiados e desprezados pelos seus pares contemporâneos, não será também a nossa geração a dar valor aos pais da nossa cidadania em liberdade. Na verdade, gostava de estar cá daqui a cem anos para saber de que português se falaria na História portuguesa da democracia e da liberdade em em 868 anos de História (o início de Portugal, para mim, está na batalha de Ourique e não no Tratado de Zamora, em 1143).
Goethe dizia que ser adulto é ter perdoado os seus pais. Se os portugueses ainda são dependentes, nas suas diversas dimensões, não admira este resultado de 60% em dois grandes extremistas e, deveras, papás. Salazar disse-o: "Vós pensais nos vossos filhos, eu penso nos filhos de todos vós".
Resta-me, assim, dar os parabéns aos radicais, pois não quero parecer um português irresponsável, e agradecer especialmente ao Grande Papá.
*(declaração de desinteresse: eu votei nas últimas eleições presidenciais e não foi em Soares).
1 comentário:
tristeza e vergonha.
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