Do filme "The Island" (A Ilha)
Imaginem um mundo fechado, como aquele onde vivem, construído com o suor e a inteligência das gerações anteriores, como aquele que conhecem, habitado por pessoas diferentes de vós, como aquelas que tentam evitar ou desprezam, serviçais do deus tempo segundo a escritura da rotina disciplinada, como são testemunhas do vosso mundo contemporâneo, típica das redomas psicológicas do espaço conhecido, como aquelas onde vós sois perecíveis praticantes, e de repente, continuem a imaginar, tudo se transforma e nada se cristaliza: o mundo abre-se, não se vêem casas com alma, os corpos desabitam as estruturas frias criadas por mãos humanas, e a caixa, essa obra-maravilha da humanidade, essa âncora de todos os corpos globalizados, esse tecto do mundo continuamente escalado, descobre-se que é uma caixa feita de nada... simplesmente, nada. Nada, integralmente nada. Esteve sempre ali, sempre possível e existente, sempre acessível e disponível, transparente como água desanuviada de bênçãos e preconceitos. E é surpreendentemente nada. Revelou-se a sua fantástica e nula existência. Não havia, nesse mundo imaginado, qualquer caixa limitada da liberdade. Havia liberdade, espante-se, para além dela!
Imaginem, afinal, ser possível viver num mundo assim, onde exista verdadeiramente liberdade, ou seja, aquele em que a liberdade é praticada por todos sem violar a de nenhum ser humano. É difícil de imaginar ou é mais cómodo acreditarmos que somos mais felizes assim-assim, ou seja, como se não houvesse nada mais para imaginar, de todo?
*Mais uma nova rubrica, desta vez sobre cinema. A selecção terá duas limitações naturais: o facto de a escolha ser minha e a disponibilidade nos sítios da Internet. Embora pensada há muito, julgo que só agora há condições suficientes para criar esta rubrica, pois não havia muitas oportunidades de publicar cenas preferidas num blogue, dada a sua escassez na digitalosfera. E no que toca à primeira limitação que referi, como calculam, estou bem longe de ser um crítico ou um viciado em cinema. Vejo cinema como o comum dos mortais portugueses, talvez a única nota acima da média seja a de possuir pouco mais de 800 filmes (em VHS e DVD). Todavia, repito, o que colocarei nesta rubrica é uma selação pessoal, porventura algo intimista, daí que não tenha necessariamente a ver com a qualidade do filme ou da cena, bem pelo contrário. Mais importante do que a qualificação, como em qualquer gosto de qualquer arte, é a mensagem, o substantivo, o sentido que a obra, ou o pedaço da obra, representa ou significa para mim.
Quanto à razão do título da rubrica, acho que vão ter que descobrir por vós próprios.
1 comentário:
Nuno, um dos melhores posts que vi nos últimos tempos e se não te incomodar vou fazer-lhe referência no meu cantinho. Vi o filme sobre o qual escreveste e molda-se em pleno no contexto do teu post. O engraçado é que o ler aquelas palavras fez-me vir à ideia um dos meus livros preferidos: "Admirável Mundo Novo" (ou Brave New World) de Aldous Huxley, a ideia utópica de uma sociedade perfeita, onde a vontade livre fora abolida por meio de um condicionamento metódico, a servidão tornou-se aceitável mediante doses regulares de felicidade quimicamente transmitidas , e onde as ortodoxias e ideologias eram “propagandeadas” em cursos nocturnos ministrados durante o sono, tudo isto para no final se encontrar a liberdade e um vislumbre do que poderia ser a felicidade fora dessa mesma exemplar e perfeita sociedade.
Continua com esta nova rubrica...muito boa.
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