segunda-feira, 22 de maio de 2006

À Espera de Godot



No Sábado fui ver uma das minhas peças favoritas. Foi escrita por Samuel Beckett e publicada pela primeira vez em 1952. As razões dessa minha preferência são várias, inclusive naturalmente a qualidade da obra. Em geral, há duas coisas que me fascinam nas obras literárias, ou mesmo cinematográficas, da minha preferência: o protagonista não 'existe', no sentido de que nunca se vê, ou ele morre no fim, sobretudo pelas boas causas supostamente pela maioria da época como perdidas! Pois bem, nesta peça existe esse algo que considero fascinante nas obras das palavras falantes (de teatro, portanto): Godot nunca é visto, não fala, nem se sabe sequer se está morto ou se é alguma coisa que possa morrer! E tudo gira à volta da sua espera. Da espera de Vladimir e Estragon por Godot. Aqui, muitas questões surgem.
Porque esperam Didi e Gogo por Godot, sobretudo se nunca o viram? Se não o conhecem? Porque depositam nele todas as esperanças? Toda a salvação das suas vidas? Quem é Godot? Porque ele nunca aparece? Qual a razão da sua importância, se nunca demonstrou o seu poder? Serão a palavra e a esperança poderes capazes de alienarem o ser humano para além da sua consciência e lucidez? Será Godot um deus, God? Será a liberdade, esse sentido consensual apontado à humanidade? Ou Será o reflexo da possível vida e condição humana, doG? Será esta explicação comprovada pela música cantada por Didi no início do II Acto, cuja letra é sobre um cão que é morto depois de roubar um osso por um grupo de cães, ou seja, pelos seus semelhantes? Que depois disto, ainda escrevem na lápide do cão assassinado a história da causa da sua morte.
Sobre a existência e identidade de Godot, questionadas por milhares e milhares de pessoas, Beckett respondeu singelamente, ou não, o seguinte: «Se eu soubesse, teria-o dito na peça». Portanto, tudo como dantes.
Mas será que o tema da peça não é Godot, antes a sua espera? Será que é uma não-peça , ou seja, uma peça do nada, sobre o nada, onde «nada acontece», «nada há a fazer» e, paradoxalemente, tudo se repete, tudo se renova, tudo se reinicia, malfadadamente, estando Vladimir e Estragon, tal como Sísifo, condenados a carregar o tempo ao topo do cume dos dias?
A minha tese é esta: Godot é uma peça que se insere na corrente temática das distopias, os lugares de vida que devemos evitar, bem representadas por Fahrenheit 451 (Ray Bradbury)), 1984 (George Orwell), A Condição Humana (Aldoux Huxley), Nós (Yevgeny Zamyatin), Laranja Mecânica (Anthony Burgess), Matrix (Irmãos Wachovski), Gattaca (Andrew Niccol). Godot é o símbolo de Beckett, é a sua distopia, muito em voga nos anos 50, fruto dos terrores ideológicos que assolavam o Ocidente sobretudo desde os finais dos anos 30. É a minha tese, ou melhor, impressão, visto que não está suficientemente fundamentada. Também não quero aprofundar muito mais, pois como todos os enigmas artísticos, a sua verdade ou solução não passam de uma eterna esperança.

NCR

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