segunda-feira, 30 de maio de 2005

Três mitos actuais na discussão política portuguesa

(Este post estava esquecido nos escritos do meu PC...antes tarde que nunca)

Grasnam pelos media e demais ágoras hodiernas, três supostas ‘evidências’ que não passam disso mesmo, de três opiniões. Todavia, discordo delas, a saber:

1) - o país virou politicamente à esquerda;
2) - a maioria absoluta socialista dificulta a eleição de Cavaco Silva;
3) – Sócrates tem todas as condições para exercer o poder, pelo que a governação de Sócrates vai ser uma espécie de tudo ou nada para o PS.

1) Não ocorreu uma viragem à esquerda do povo eleitoral português, não obstante os quase 4/5 que a esquerda consegue de representação parlamentar. Simplesmente, os cidadãos eleitores votaram maioritariamente nos partidos designados como pertencendo à esquerda. Por outras palavras, o país virou tanto à esquerda como virou à direita em 1987 e 1991. Neste sentido, a viragem não é nem ideológica, nem militante. O que se pode dizer destes últimos resultados eleitorais nacionais é que o país virou centrão, não no que respeita à cruz no boletim de voto, antes no que toca à posição eleitoral perante o leque de opções partidárias.

2) A maioria absoluta de Sócrates acarreta uma dupla ordem de dificuldades ao PS, isto porque, por um lado, a representatividade local do poder socialista tenderá a crescer, derivada da recuperação do desastre das últimas eleições autárquicas e, ainda, do estado de graça que o partido ainda beneficiará devido ao curto lapso de tempo entre eleições (legislativas e autárquicas); por outro lado, - e decorrente dos resultados das eleições autárquicas de Outubro – a inclinação popular nas próprias eleições presidenciais será votar no ‘candidato social-democrata’ (pragmaticamente falando), dada a tendência portuguesa de distribuição (re)partidária entre a esquerda e a direita, como é aliás tradição eleitoral quando a distância temporal é muito curta entre as eleições presidenciais e as legislativas. Aconteceu assim em 1981 (eleito Eanes, de esquerda, de seguida -1983 - eleito Cavaco, de direita) em 1986 (eleito Soares, de esquerda, de seguida -1987 - Cavaco, de direita), em 1991 (reeleito Soares, de seguida - no mesmo ano – Cavaco), em 2001 (eleito Sampaio, de esquerda, posteriormente – em 2002 – é eleito Barroso, de direita). Portanto, o que nos ensina a história, e a respectiva estatística, é que, provavelmente, o próximo presidente da república será de direita, até porque pela primeira vez, na história recente e em curto espaço de tempo que dista entre as sobreditas eleições, será a eleição presidencial que sucederá às eleições legislativas. O argumento dos “ovos no mesmo cesto” também me parece importante, apesar de banalizado.

3) O último mito maioritário da nossa praça política, que repercute e ecoa na pluralidade da opinião pública, é que o Governo Sócrates não tem desculpas para não realizar todas as reformas desejadas, dado que tem a maioria absoluta e, por isso, trata-se de uma espécie de tudo ou nada para o partido socialista. Será que ainda não se percebeu o grande paradoxo das democracias globais: quanto maior for a intervenção social e política dos cidadãos e das organizações, menos poder têm os governos de reformar seja o que for?! É o preço contemporâneo da emergência de novos centros de poder (social e económico, privados, público e não governamentais), da globalização das condições de exercício da governação, da adaptação das decisões e interesses às expectativas racionais políticas derivadas, sobretudo, do maior conhecimento dos stakeholders sociais (cidadãos, empresas e organizações sem fim lucrativo), da complexidade e corporativismo dos processos públicos das reformas e políticas públicas. O futuro dos partidos políticos, e dos políticos, depende, mais do que do seu sucesso democrático, dos seus resultados económicos.
Não sejam estúpidos...é que na economia não somos todos iguais!

NCR

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