terça-feira, 31 de maio de 2005
Números e Pessoas: a luta continua...
Como os tempos mudam. Lembro-me no tempo de Cavaco Silva, economista de formação, o quanto o homem era acusado de falar só em números, do peso excessivo da dívida pública, da contenção do défice orçamental, das elevadas taxas de juro, da necessidade de aumentar o PIB, dos perigos da inflação e da sua fama de ver a sociedade através de números e de medidas quantitativas nas reformas que protagonizou. Depois, lembro-me também, mais recentemente, do apoio popular a Guterres, contra a política de Cavaco, por pensar mais qualitativamente na vida, na aposta da educação dos jovens e dos adultos, na promoção da cultura pelas massas, na "economia virada para a sociedade" e nas políticas públicas que deviam pôr as pessoas acima dos números.
A estes dois ciclos políticos sucessivos subjaz uma lógica contínua e coerente: primeiro, as pessoas valiam menos e tinham mais, depois as pessoas valiam mais e insustentavelmente muito, como agora se diz: vivia-se acima das posses. As pessoas e, consequentemente, o país. Segundo, as pessoas não percebiam de números e nem queriam saber! Porquê? Porque entendiam, bem ou mal, que quem tinha de os perceber era os políticos, os 'grandes', os governantes. Para mais, os números eram valores de Direita, preocupações resquícias do antigo regime, ou seja, para a Esquerda - a paladina do social, do emprego e das pessoas -, números eram minudências, coisas sem importância, máscaras para enganar pacóvios.
No entanto, a economia mudou, a sociedade estagnou, os bolsos definharam e a vida azedou. E tem vindo a azedar, sem parar, mesmo que o rendimento aumente. Agora, não há povo que não saiba quais são os números do défice, a taxa de inflação ou o n.º de desempregados. Não há conversa de café que não se fale dos números da economia, do primeiro-ministro, da nação. Velhos ou novos, sóbrios ou ébrios, em tascas ou casinos, os números estão aí! Contra todas as expectativas, contra todas as ideologias, contra todas as classes sociais.
Portugal mudou, mas a luta continua. A esquerda defende que os números fragilizam as pessoas e que são instrumentais das políticas, sobretudo socializadoras, a direita afirma que sem números não existem mais e melhores pessoas e que actualmente sem bons números, não há melhores condições de vida.
Pode ser uma discussão tão fantástica, como saber se o ovo nasceu primeiro que a galinha, contudo, o que temos de perceber é que, para além das ideias políticas - os ovos - e independentemente dos titulares vencedores - as galinhas -, quando o país está mal, todos perdemos e não há gemadas para todos. Uns mais, outros menos, mas todos perdemos mesmo, porque um extracto de conta não é um extracto de vida! Ou seja, com a crise, aprendemos que os números podem ser os nossos melhores amigos, mas não podemos desaprender o que já nos foi ensinado por uma revolução: é que sem as pessoas, não há números que nos valham! A luta está na rua, mas deve ser unida, tanto quanto as ruas exigirem pessoas e números para se considerarem completas e vivas.
NCR
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1 comentário:
Na verdade não há sequer gemadas grátis.
E o problema hoje é que a luta não está na rua. Eu pelo menos não a vislumbro. Mas falta pouco, muito pouco, para estar na rua. E para nosso azar provavelmente não será unida!
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