quarta-feira, 9 de fevereiro de 2005

Matar é Matar! (I) – As Pessoas

Platão dizia que as boas leis são aquelas que os cidadãos amam mais do que a própria vida. A lei criminal da pena de morte é para mim criminosa. Costumo dizer aos meus alunos, em tom de brincadeira séria, que não ‘matava’ o Hitler se o prendesse. Podia desejar-lhe a morte, sim. Podia matá-lo em legítima defesa, sim. Podia ter que obrigá-lo coactivamente a imobilizar-se, com as necessárias violentações, sim. Mas isto não é mandar matar (de certa forma, cobardemente) alguém ou sentenciá-la à morte. E nem vivemos, sequer, em tempo de guerra. Pelo menos, com confrontos de mobilização populacional e territorial!

Portugal é um país, histórica e tradicionalmente, desfavorável à pena de morte. Todavia, tenho a maior das dúvidas que o Não à pena de morte vingasse se esta fosse a referendo nacional. Todos os anos faço uma espécie de sondagem/inquérito às minhas turmas de Ciência Política e Direito Constitucional e o resultado é aterrador, pois a maioria é a favor. Pior ainda, quando a argumentação do Sim à pena de morte toma forma (porque por vezes não toma substância, infelizmente), discute-se de baixo para cima (ler o meu post sobre Personalização da discussão de Sexta-Feira), ou seja, dos casos concretos («Viu aquele filme… como é possível matar tanta gente?», «E aquele caso da… ele merecia e muito mais!») e de situações pessoais («E se lhe acontecesse a si?» «E se fosse a sua filha?») para o ‘juízo genérico conclusivo’.

É muito importante pensar (e saber) os ‘casos práticos’, a ‘vida real’, as ‘imagens reais’ para a discussão teórica de qualquer matéria, e até o pragmatismo e a pessoalidade ou a personalização das questões, mas sobrepô-los à generalidade, à universalidade e aos valores que despersonalizam o indivíduo e fazem do Bem e do Mal como as duas únicas opções e escolhas de uma política pública criminal, começa-me a causar arrepios e pontadas na espinha.

Quando uma pessoa, um conjunto de pessoas, decide aplicar a pena de morte vira-se o feitiço contra o feiticeiro, porquanto o efeito criminógeno da aplicação de uma pena deste tipo numa sociedade é deveras galopante. Os EUA não desmentem esta afirmação, pois não se conhece um único exemplo de estado americano onde se comprove que a pena de morte faz baixar as taxas de criminalidade, mesmo quando falamos de criminalidade violenta.

Todavia, o debate deve centrar-se nas pessoas sim, as pessoas estão no centro da análise, pois a pena de morte é para elas!

NCR

(continua)

1 comentário:

L disse...

belo post. aguardo continuação.