segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Brutos e cavalheiros



Não deve ter havido muitas semanas como a que passou e a que decorre no que respeita à simultaneidade de selecções portuguesas a jogar em altos campeonatos, i.e., europeus e mundiais. São três, pelo menos, as selecções - de futebol, basquetebol e rugby - que jogam a camisola portuguesa. Todavia, e ao contrário do que seria expectável, ou talvez não, é a selecção profissional de futebol que demonstra menos força e garra (com muito poucas excepções, refira-se) e é a amadora (sem estrelas) que está a guerrear que nem lobos contra a sua presa. É esta selecção que dá o exemplo de tenacidade, de talento natural e de dedicação à causa que, por sinal, ainda é um pouco incompreendida dentre as modalidades designadas de amadoras, em rigor, não profissionais. E, diga-se, com imensos sacrifícios pessoais e materiais - não ganham pelo ganho sacrificado e não ganham mais dinheiro por jogarem mais ou melhor, jogam por eles, pelo seu orgulho no rugby e pela sua pátria (já alguma vez viram uma selecção de futebol a cantarem e a sentirem colectivamente o hino português daquela maneira?).

Para quem jogou rugby na adolescência e no início da sua idade adulta, sabe da força, dedicação e motivação necessárias para o praticar com regularidade; um desporto imensamente competitivo e desgastante fisicamente. Eu próprio tive a minha conta dessa natureza: entre outras mazelas, mesmo com a boqueira posta, parti dois molares durante um jogo amigável contra uma equipa inglesa. Mas não houve violência desportiva, porque o soco (end off) está inscrito nas regras do rugby. Respeitando-se as regras, não há abuso legal. Violento desportivamente é (as)sim o futebol, um jogo onde os pontapés na canela, as estaladas, as cabeçadas e as cotoveladas são vistas em quase todos os jogos e, segundo sei, não são permitidas pelos regulamentos de qualquer país. Por isso que, na minha época, costumava-se dizer que o futebol era um jogo de cavalheiros jogado por brutos e o rugby um jogo de brutos jogado por cavalheiros. Quem jogou rugby compreende bem a escola que é a prática desta modalidade, escola para a pessoa e para a vida. Porqu~es? Sobretudo porque durante 80 minutos se convive com a adversidade pura e dura e para a enfrentar é condição de sucesso disciplinar o medo. Foi uma das grandes lições que aprendi: a disciplinar o medo e a força.


Portanto, pode dizer-se que é normal num jogo entre profissionais e amadores que estes joguem com maior motivação, é legítimo dizer-se que o rugby assusta, ainda, muita gente com a sua suposta violência física e é banal afirmar-se que nenhuma modalidade iguala o futebol no apoio à seleccção por parte do seu 'povo', mas estas duas semanas têm algo de original: a diferença da atitude colectiva de uma selecção portuguesa em campo. Com atitudes destas, venham as derrotas. No final, só reforçam a nossa nacionalidade.


Adenda:
A minha tese sobre o comportamento das massas desportivas é simplista e de base meramente empírica, mas é esta: é o respeito pelos valores e regras, não os valores e as regras da modalidade per si, que moldam o comportamento do público; e o contrário não se verifica.

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