sexta-feira, 23 de setembro de 2005

ESPUMAS XV



«Quando quase tudo cai à minha volta, ou sinto cair, não sei o que devo fazer. Sorrir? Respirar fundo? Deixar-me ir? Hoje é um dia assim, quase tudo se fecha sobre mim, como a um epicentro num redemoinho exaurindo-me em decadente desnorteio, como em voo de brinquedo maltratado pelas mãos loucas de uma criança, continuamente manipulado ao sabor da feliz e saudável inconsciência pueril. Ao menos se me sentisse criança, talvez pudesse enfrentar o que há de pior nestes dias. Por vezes, a ignorância e a alienação são grandes amigas do conformismo. Mas devo conformar-me? Hoje estou mesmo naqueles dias… por dentro e por fora… escrevo para enganar o que de há de forças em mim. A folha branca é boa companhia nestes Invernos sem visão. Ao menos não me foge, ouve-me e ajuda-me, ainda que em vão, a escapar às más rotinas viciosas do meu ambiente. Hoje é daqueles dias em que não desejo ver ninguém, a conversa maça-me, o pensar sobre coisas que não me incomodam aborrece-me, responder às pessoas abomina-me. Nem sequer quero raciocinar. O dia não está para obras e muito menos de neurónios, que a destes sim são pesadas. Hoje não estou para convívios nem para conveniências. Já que estou mal, abjuro todas essas pavoneadas socialites. Não tenho mesmo paciência para nada, ou melhor, só tenho mesmo paciência para o nada, excepto para a minha vontade, precisamente a de não fazer nada. Na verdade, a humanidade hoje nem sabe do que se salva, pois se eu tivesse o dom da omnipotência fazia desaparecer este planeta, todinho, como a um brinquedo feio, pequeno e mau nas mãos loucas de uma criança. Acabavam-se todas as grades e vaidades, tretas e conversetas, jogadas e pancadas. Hoje é mesmo um dia daqueles. Vou perdendo a noção do que digo, ou talvez não. Talvez seja antes a noção desta matrix ilusão em que tenho vivido. Não sei que dia é este. No fundo e no profundo não quero saber. Sei que sinto o tempo a sobejar-me. Entranha-me sem eu me esquivar. Que raio de dia é este?! Não me conformo. Ou será esta a razão deste caminho? Pobre folha branca, como eu,… se lesses o que carrego no teu peito, tinha castigo tablado em lápide para sempre. Não te lances a mim, não tenho mal e tampouco mãos de tesoura. Tento apenas mapear o meu lugar, substituir o respiro pelo inspiro e exprimir, exprimir, exprimir até conseguir algum sorriso normalmente feliz. Será este o meu destino? E em que dias comando esse desígnio?»

NCR

P.S. - Para os meus amigos mais incautos leitores deste blog, digo-vos que a rubrica Espumas é pura escrita criativa, ou pelo menos tenta ser. Não confundam criatividade com realidade, ainda que naturalmente haja pontes. Dessa forma, poupam um e-mail ou telefonema e eu uma risada. Bem hajam.

1 comentário:

Anónimo disse...

Um grande beijinho para ti :)