domingo, 17 de fevereiro de 2008

PALETA DE PALAVRAS LXVII

La Vanguardia
11-02-2008

"Cheguei a um ponto em que era mais feliz louco que são",
John Forbes Nash, prémio Nobel de Economia,
cientista esquizofrénico e que inspirou o filme "Uma Mente Brilhante"

«"É um génio": foram as três palavras com que o recomendaram a
Princeton. Sua irmã, ao saber, acrescentou: "É muito estranho". Aos 21
anos, enunciou a tese de equilíbrio que desbancou Adam Smith e fundou
a economia moderna. Participou como cientista militar até o delírio
-literal- na Guerra Fria que sua esquizofrenia paranóica simboliza à
perfeição: acabou acreditando ser perseguido por conspiradores
comunistas. Internado depois de uma crise psicótica, passou 30 anos
alheio, vagando pelo campus de Princeton, onde o apelidaram de o
fantasma. Conseguiu recuperar a sanidade de forma milagrosa e
suficiente para receber o prêmio Nobel em 1994.


Tenho 79 anos. Nasci na Virgínia Ocidental. Tenho dois filhos: estive
casado, deixei de estar e agora volto a estar. As estatísticas
demonstram que é melhor estar casado. Seria penoso explicar toda a
minha evolução religiosa. Votar é fácil e pouco. Colaboro com a
Universidade Pompeu Fabra (Barcelona). A entrevista:

La Vanguardia (LV) - Por que lhe deram o prêmio Nobel de Economia?
John Forbes Nash - Descobri uma forma de equilíbrio -hoje chamado de
Nash- na teoria dos jogos: um ponto em que nenhum dos jogadores pode
melhorar sua situação. Hoje esse conceito é aplicado de forma
interdisciplinar.

LV - Fez essa descoberta apesar de sua enfermidade mental?
Nash - Tenho um histórico, sim, de distúrbio mental temporário que se
manifestava de diversas formas. Hoje temos medicamentos que na época
não existiam, que tratam os sintomas e permitem continuar com o que se
considera uma vida normal, mas têm efeitos indesejáveis.

LV - Quais?
Nash - Para restituir sua normalidade, reduzem sua atividade
neurológica e suas funções cognitivas. O devolvem à normalidade, sim,
mas às custas de sua capacidade pessoal de raciocínio.

LV - E hoje o senhor o exerce integralmente?
Nash - Eu posso trabalhar, mas meu filho, que também sofre esse
distúrbio, toma esse medicamento que não lhe permite se dedicar a nada
concretamente; mas pode observar um comportamento normal.

LV - Como se manifestou esse transtorno?
Nash - Tive de ser internado em um hospital depois de vários episódios
de disfunção social, e afinal melhorei, mas não pude evitar um poço de
infelicidade em meu ânimo e em minha conduta.

LV - A que se refere?
Nash - Era infeliz ao me recuperar, porque a normalidade não me
deixava feliz. A loucura começa quando você descobre uma segunda
realidade em sua mente e às vezes a prefere, porque o faz mais feliz
que a normalidade. Assim, cheguei a um ponto em que eu era mais feliz
louco do que são.

LV - Mas era capaz de distinguir entre a realidade e sua ilusão?
Nash - Chega um momento em que fica difícil distingui-las e você vai
escolhendo cada vez mais a ilusória. Assim se transforma em
disfuncional.

LV - Disfuncional em que sentido?
Nash - É natural que um ser humano deva atuar com o resto do grupo:
trabalhar, observar as normas, comportar-se como todos...

LV - Há exceções.
Nash - Correto. Suponhamos que eu não trabalhe nem seja rico e diga
que ouço vozes, tenho visões e as desenho ou escrevo: o que você
pensaria?

LV - Talvez sugira que poderiam interná-lo.
Nash - Suponhamos que eu lhe diga que sou um monge enclausurado. Você
aceitaria que uma freira ou um monge em seu convento pode não
trabalhar, ter visões e explicá-las, no entanto esse monge não será
considerado anormal por isso.

LV - Certamente.
Nash - A sociedade os aceita porque, fora eles, há muitos e
suficientes outros homens e mulheres que se comportam de forma normal.

LV - A maioria tem senso comum.
Nash - Falso. O senso comum não é majoritário: por exemplo, na
Espanha e no Ocidente o cristianismo é a religião majoritária...

LV - Continua sendo, sim.
Nash - ... mas o cristianismo exige de seus fiéis fé cega em dogmas
que em caso algum poderiam ser considerados senso comum.

LV - A trindade ou a virgindade de Maria.
Nash - Hoje eu vi a obra de Gaudí: magnífica.

LV - Sem dúvida.
Nash - Apesar de não conhecer sua vida, tenho certeza de que foi
considerado um anormal, um louco.

LV - Creio lembrar-me que sim.
Nash - Van Gogh também tinha problemas para discernir a realidade de
suas visões. O que me pergunto é se a medicação que temos hoje teria
sido capaz de devolver a normalidade a Van Gogh sem privá-lo de seu
talento.

LV - ...
Nash - No entanto, o progresso teria sido difícil sem as visões de Van
Gogh ou o autismo de Newton. Newton também foi considerado um tipo
suspeito: não se casou, era estranho...

(continua aqui)
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Sem comentários: