4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, ****
Depois de "A Morte do Sr. Lazarescu" e de "12.08 a Este de Bucareste", "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias" vem encerrar o triângulo perfeito daquilo a que já se convencionou apelidar de Novo Cinema Romeno. Todavia, "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", vai muito além dos restantes no realismo com que filma o passado de um povo e o nauseabundo cheiro dos seus esqueletos acumulados no armário. O que mais surpreende no filme de Cristian Mungiu - como lhe fica bem a Palma d' Ouro arrebatada na ultima edição de Cannes - é a forma neutra, isenta de juízos de valor (por vezes quase documental) com que nos atira para o problema (intemporal?!) do aborto. "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias" não é um filme nem pró nem anti aborto, mas sim uma obra que agita, que perturba, centrada no drama emocional e social da interrupção voluntária da gravidez. Uma decisão que vai muito para lá, nas implicações físicas e morais, da mulher que a toma. Mas "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias" é geográfica, temporal e socialmente situado. E é aqui que reside a sua mais valia como obra cinematográfica. Paradoxalmente, de todas as múltiplas cenas marcantes do filme, a que mais me tocou foi a do longo plano do jantar de aniversário da mãe do namorado de Otília, a estranha e bela jovem romena, estudante de tecnologia, que se prontifica para dar o corpo ao manifesto (literalmente) pela sua amiga Gabita. Nessa cena, que dura bem mais de dez minutos, a câmara contempla ininterruptamente, de forma sublime, uma refeição de uma pobre família da classe media-alta romena do final dos anos 80 do século passado. Com o nosso olhar concentrado no cabisbaixo rosto de Otília, vemos e ouvimos o desfilar de uma sociedade que (pateticamente!) nem sequer coloca a hipótese de se libertar. Nessa inesquecível cena, Cristian Mungiu vai muito além do cinema e oferece-nos uma magnifica lição de historia social.
Há ainda algo mais que gostava de dizer sobre este filme: Curiosamente, "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias" nem sequer nomeado está para o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira. O que só demonstra cabalmente o que vale hoje essa festarola americana.
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