quinta-feira, 21 de abril de 2005

ESPUMAS III



Ontem e hoje, aquela estrada é uma má estrada, mas a mais bonita de todas. Bonita mesmo, com todas as suas letras banais - e belas e brilhantes. Um dia conheci aquela estrada, estava feio e escuro o céu que a abrigava, como as palmas das minhas mãos lavradas em seco creme inane chamado Experiência de Vida. Uma vida cheia de coisas más e descaídas, um mar de quedas e de cataratas. Uma vida onde os precipícios são vãos de esperança, as viagens eternos retornos e a profundidade rica em limites, em fins. O desalento tem um fim, repeti tantas vezes contente. Na desesperança, os términos são paraísos. As paragens, são hotéis de felicidade. Mas as estradas não são sempre estradas.
E a esta estrada cheguei, cheia de árvores castanhas, vivas, fogosas e corridas na sua berma, sem que algo ou alguém me avisasse, tanto da sua maldade, como da sua beldade; virtudes da vida que eu não vivi.
Não quero, já não quero, nada que seja transportado pela vida. É verdade que sempre preferi os caminhos aos transportes. É por isso que nunca fui longe na vida, ou seja, sempre conheci bem o chão que pisei, como as palmas das minhas mãos. E acreditem, o meu corpo - ou a minha alma - reconhece bem os rostos dos pisados.
E aquela estrada que me suportou e alteou? Ao contrário de tudo aquilo que é macerado, deu-me uma luz e uma limpidez que não conhecia. Olho para as minhas mãos e não as conheço. Fito o horizonte longínquo da estrada e não vejo o seu futuro. Que explicação para nobreza perfeição, ter um desígnio de existência? E como pode uma estrada lacerada alcançar tamanha beleza? Porquê tantas benditas propriedades em tão labrusco inanimado? E que criatura terá algo para oferecer quando nasce para servir e ser servida, constantemente, eternamente? Onde estão os precipícios da sua existência? Terão asas expurgatórias de toda a consciência terrificante da realidade?!
Nunca percebi porque aquela estrada me limpava as mãos - ou a alma. Os caminhos limpam-nos as mãos?!
As mãos são o nosso destino, eis a lição. Aquela estrada não podia ser apenas um caminho!

Miguel Pessoa Campomaior

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