A polémica e a violência, verbal e física, consequentes das caricaturas dinamarquesas num jornal conotado com a extrema-direita não revela um choque de civilizações, na esteira de Huntintgton, antes vislumbra um aproveitamento de certos grupos radicais islâmicos, numa actualidade conformada por uma crise política e económica da Europa. Ora, este aproveitamento por parte dos grupos extremistas tem efeitos, sobretudo, para além dos europeus, nos muçulmanos moderados e integrados nas sociedades europeias e, porque não, na cultura ocidental.
O argumento da violação da liberdade religiosa não é juridicamente sustentável, porquanto não é disso que se trata. Para não o reiterar no campo político. Aconteces que, neste campo, outros interesses se movem e se a Europa e os EUA não começam a desenvolver uma certa política de inteligência institucional ou de governação global, corre o risco de assistir ao seu declínio por razões de restrições aos direitos e liberdades fundamentais, assim como por aumento dos crimes e das lutas urbanos. Estamos a um passo disso, se não tivermos a inteligência de perceber que o que os fundamentalistas pretendem é que os euroopeus se fechem, que a liberdade se 'balcanize', que a reacção pela palavra não nos distingue da reacção pelos fogos postos, arrombamentos, destruição e introdução de propriedades alheias, ou seja, de violência.
Este problema derivado da caricaturização, no que respeita à reacção, não é apanágio de fundamentalistas, como sabem os protugueses (e o cartunista António) e como sabem os franceses (com a imagem da Última Ceia representada por mulheres em lingerie) - isto só para dar casos ecentes - entre outros casos. A diferença fundamental está precisamente no tipo de reacção que é encetada. É a diferença entre o modo pacífico e o modo violento. Mas atenção, não significa que só esta seja criminosa. O pacifismo nunca foi sinónimo de ireesponsabilidade. Ocorre que nas democracias (veja-se inclusive o caso do Egipto onde os cartuns foram publicados e pouco ou nada de consequente aconteceu) pode ser feita pela via da influência, da corrupção, da chantagem, etc.
Todavia, esta problemática suscita-me as seguintes perguntas:
- Como podem os moderados ('ocidentais' e 'orientais') superar a argumentação da violência psicológica e física (ofensas corporais, injúrias, xenofobismo, discriminação étnica e relgiosa, etc.) sem demonstração de fraqueza ou de cedência do seu modo de vida, cultural e jurídico?
- Que 'interesses' económicos e religiosos relevariam com uma situação de crispação entre os muçulmanos radicais e os ocidentais?
- Serão os acontecimentos consequentes da publicação das caricaturas, um argumento válido para os defensores da anti-globalização?
Há muito que a História nos ensina que é de pequenos detalhes que se ganham guerras e se vencem desafios. E o maior erro que os europeus podem cometer é tomarem a parte pelo todo e agirem nessa conformidade. Assim, e dado que essa é uma tend~encia humana, devemos combater cirurgicamente quem nos ataca e não actuar de forma atómica, onde não escapa quase nada, nem quase ninguém.
NCR
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