terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

Aequo animo (IV)

Para quando a transposição da Directiva 91/439/CEE?

Infelizmente este já não é um estranho tema os motociclistas.
Todos já leram ou ouviram algo sobre o assunto. E em todos existe um denominador comum. Será que algum dia será possível conduzir um motociclo de 125 cc de cilindrada sem para tal ser necessário uma carta de condução de motociclos? A MOTOCICLISMO foi investigar e encontrou muitas questões mas também algumas respostas.

Juanito, Espanhol, natural de Vigo e cidadão Europeu, decidiu aceitar uma oferta de emprego para trabalhar num atelier de arquitectura no Porto. Sabendo da complicado transito da invicta, decide trazer consigo a sua nova scotter de 125 cc comprada há poucos meses. Um dia, ao circular perto de Serralves, é mandado parar numa rotineira operação stop. Após a habitual verificação documental, o agente da PSP no local decide autuar Juanito por este não ter habilitação legal para a condução daquele veiculo à luz do nosso código da Estrada. Os protestos de Juanito, sublinhando com vigor que a sua carta de condução categoria B o habilitava para a condução da sua scotter de nada lhe valeram. Consciente dos seus direitos Juanito decide não pagar a coima, impugnando-a judicialmente. Terá Juanito razão?



Garanto-vos que esta pequena ficção dava um óptimo caso pratico num exame da disciplina de Direito Comunitário numa das muitas faculdades de Direito do pais.
Ao longo de mais de dez anos o debate na comunidade motociclista quanto à transposição da Directiva 91/439/CEE tem se centrado em torno do seu art. 5º, n.º 3 b) onde se consagra "Os Estados-membros podem conceder, para a condução no seu território, as seguintes equivalência (…) Motociclos ligeiros abrangidos por uma carta de condução categoria B", sendo estes aqueles que tem uma cilindrada máxima de 125 cc ou uma potência máxima de 11 kw.
E pronto…, nós por cá temos andado amarrados a este preceito que qualquer leigo entende de forma clara e precisa. No caso "poder" não significa "dever" e o legislador Português tem entendido (e bem….) não estar obrigado a conceder tal equivalência.
Mas a directiva é longa, visa harmonizar muito mais matérias do que pensamos e deve ser lida desde o seu inicio.

Um dos objectivos claros (e estes têm de ser cumpridos pelos diferentes legisladores nacionais) da Directiva 91/439/CEE é "facilitar a circulação das pessoas que se estabelecem num Estado-membro diferente daquele em que foram aprovadas num exame de condução" - lembram-se do "nosso" Juanito?
Diz ainda a Directiva 91/439/CEE logo no nº 2 do seu art. 1º: "As cartas de condução emitidas pelos Estados-membros são mutuamente reconhecidas". Que é como quem diz Portugal está obrigado a reconhecer as habilitações legais de condução obtidas em outros Estados-membros da União que não o nosso. Apetece-me escrever: Quid Juris quanto ao "nosso" Juanito.
Não é preciso ser juristas, ou sequer estudante de direito, para rapidamente entender que existe um manifesto confronto entre o que dita a directiva e o nosso Código da Estrada.
Mas nós não temos nenhum Juanito - por enquanto… - e o que queremos mesmo é que a Directiva 91/439/CEE seja transposta no que a nós motociclistas diz respeito.
Em nosso entender não há margem para duvidas. O Governo Português, à luz e à sombra dos objectivos impostos pela directiva mais tarde ou mais cedo terá de transpor a Directiva 91/439/CEE neste segmento.
Por outras palavras, sendo Portugal obrigado a reconhecer as cartas de condução emitidas em outros Estados-membros o "sacro-santo" principio da igualdade manda que a equivalência (possibilidade de condução de motociclos ligeiros por quem possui carta de condução categoria B) seja também feita na nossa ordem jurídica interna.
Então e não haverá maneira de resolver o problema sem recorrer a um Juanito qualquer?
Claro que sim! E o problema não se resolve em almoços, jantares ou conversas em gabinetes ministeriais ou parlamentares. Ou sequer com petições ou abaixo assinados.
O problema resolve-se de uma forma muito simples, com uma queixa para a Comissão Europeia. Esta, como guardiã do respeito pelo Direito Comunitário está obrigada pelo Tratados Europeus a analisar a questão, tendo depois um poder discricionário para, se assim o entender, sentar a soberana Republica Portuguesa no banco dos réus do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, intentando contra Portugal uma acção de incumprimento do Direito Comunitário.
Simples não é?
Não…., não é! Falta fazer a queixa (um dos muito direitos de cidadania Europeia conferidos quer a pessoas singulares, quer a pessoas colectivas) e fundamenta-la. Devendo a mesma ser feita por quem tem interesse directo em que a Directiva 91/439/CEE seja transposta no segmento referido.
Uma queixa e um relativamente curto período de tempo. Um simples papel escrito e assinado. É o que pode separar o momento actual e a possibilidade de todos os que têm carta de condução categoria B poderem, enfim, conduzir a sua motinha.

PSL

3 comentários:

izzolda disse...

Se eu tivesse motinha, haviam de receber cartas non-stop! Não conhecia esse problema. Mas estou totalmente de acordo: os países têm de reconhecer os documentos legais dos outros países! Há alturas em que realmente somos levados a questionar até onde vai a nossa tão apregoada liberdade de movimentação...

Pedro Soares Lourenço disse...

A questão em causa é mesmo essa Izzolda. A não transposição da Directiva na parte que enuncio é um grave entrave a livre circulação no espaço Europeu Comunitário. Mas quem tem o interesse e o dever de atentar a ultrapassar das duas uma. Ou mora cá, mas não anda cá, ou enfim..., outros interesses maiores se levantam.

@rmando disse...

Boas!
Pois é... Isto é tudo muito bonito, mas uma Directiva não se "impõe" directamente no nosso ordenamento jurídico. Se fosse um Regulamento a questão nem se colocava.
Mas segundo sei e corrigam-me se estiver errado, uma directiva da UE deixa que os Estados Membros a liberdade de eles atingirem os fins da mesma.
Tantas outras directivas deveriam estar em vigor e não estão.
Mas pior que isto é mesmo os "papa reformas" que não deveriam andar na estrada e andam como se fossem motociclos.
E esta hem? - Como dizia o Farnando Pessa, se ainda fosse vivo.

Abraços e conduzam com cuidadinho....