(continuação)
Nada desculpa a continuação dos actos criminosos perpetrados supostamente por jovens imigrantes e delinquentes. Todo o acto indiciado de criminoso deve ser averiguado, julgado e punido, independentemente da raça, da religião e da condição social. Nesse sentido, é inadmissível tanto os actos criminosos, como a falta de julgamento e de punição desses actos. Conjuntamente, é também totalmente admissível para qualquer cidadão e defensor da democracia liberal, as violações legais e éticas de entidades e personalidades que cumprem funções públicas e com responsabilidades, inclusive, governativas. Quero dizer com isto que aqui também houve erros de julgamento e de execução por parte das forças policiais e dos membros do governo responsáveis no domínio da segurança e ordem públicas, restando a dúvida se tudo não poderia ter sido evitado se as instituições legais e democráticas tivessem cumprido com, as já referidas, leis do État Legal e da ética governativa da república francesa.
Lei, porque independentemente da «presunção de culpabilidade» que os polícias perseguidores daqueles dois jovens, estes têm o direito, como qualquer um de nós, de não morrer. Mais, têm o direito a viver; são estas, aliás, as duas dimensões do direito à vida. As práticas medievais e inquisitórias há muito que já lá vão (ou será que não?). Numa palavra, os polícias não tinham o direito de matar aqueles jovens, excepto em legítima defesa e se eles tivessem armados. Ora, nem estavam armados, e que se saiba, morrer electrocutado em frente a uma força policial não é com certeza em por preventiva defesa. A polícia não cumpriu com as regras de um estado de direito, de legalidade e, assim, abusou do seu poder.
A este abuso de poder, familiares, conhecidos e jovens vizinhos dos dois mortos manifestaram-se contra tal assassínio e foram «varridos como líxivia» (Nicolas Sarkozy, Ministro do Interior francês). E agora entra a Ética. O que disse este Senhor Ministro da República sobre os incidentes: «Há que limpar esta escumalha (racaille)». Palavras indignas de qualquer francês, muito menos de um ministro francês, muito menos ainda por quem é responsável pela pasta da segurança pública (!). Ainda por cima vindo de um «estrangeirado», um descendente de famílias judaicas! - (já devia ter aprendido a lição da sua História) - Como disse François Hollande (líder do Partido Socialista Francês) "As declarações de Sarkozy são intoleráveis. Quando se é ministro do Interior, não se pode falar como toda a gente". Esta, portanto, foi a gota de água para a revolta do tratamento desigual e miserável a que a grande maioria dos residentes dos bairros pertencentes à «cintura vermelha» (como Le Branc-Mesnil, Chêne-Pointu, Grigny, Les Yvelines et la Seine-et-Marne, Mirail, entre outros) são submetidos e da prova do fracasso, de que são exemplo, do tão apregoado bem sucedido modelo social francês que, claramente, esta revolta suburbana parisiense revela inequivocamente.
Assim, cair nas superficialidades maniqueístas das culpas e da razão é não perceber nada nem de História, nem de Ciência. Estes recentes acontecimentos possuem causas e efeitos, que perduram e irão reflectir-se em sucessivos debates e artigos de opinião. As causas estão para além da morte dos dois jovens e as declarações públicas ficam aquém de uma explicação profunda e produtora de soluções. O que ficou provado é que quem não tratar uma sociedade com humanismo, igualdade e justiça, nunca será uma sociedade livre e segura, nunca será uma sociedade que cumpra os ideais de uma democracia de direito e liberal, respeitadora da coesão social. A História farta-se de ensinar isto: sem humanismo social, sem respeito pelo estado de direito democrático, sem cumprimento dos direitos e liberdades fundamentais, sem uma cultura de tolerância, sobretudo religiosa,
Desigualdade gera injustiça, injustiça gera insegurança, insegurança gera violência, violência gera violência! Não se aprende nada com a História? Não se reduza esta questão a ilegítimos actos criminosos de imigrantes que, naturalmente, têm que ser travados e punidos. Repito: todos os agentes de actos criminosos devem ser detidos, presos, julgados e, se culpados, punidos. Que não restem dúvidas. Mas por outro lado, que não haja dúvidas também de que todas as pessoas devem ser tratadas humanamente. E deve ser objectivo das políticas públicas dar aos cidadãos as mesmas condições de oportunidade. Não se trata de desejar uma sociedade igualitária e todos padecerem do mesmo tratamento. Mas esse tratamento deve ter sempre valores jurídicos e democráticos subjacentes. E acima de tudo, valores liberais.
Estes imigrantes de que se fala, são franceses e europeus, e se isso não chega, são seres humanos (nascidos na Europa)! Se é insuficiente, admitamos que o melhor caminho é o regresso ao mundo das cavernas. Cada um fica na sua gruta, de preferência por nacionalidade, raça e religião, faça-se das distâncias territórios de alianças e de guerra e, caso Portugal se afunde numa grave crise económica e financeira, não se pregue aos espanhóis que façam muros de pedra ao longo de toda a fronteira. Se estamos no fim da História, voltemos ao princípio, não?!
NCR
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