quarta-feira, 30 de novembro de 2005

ESPUMAS XX

Irrita-me que os ditados populares sejam tão certeiros, dizia James abrindo os seus longos braços esguios ao mesmo tempo que enchia o copo de uísque a Michael. Como é que o povo, tão supostamente estúpido e analfabeto, consegue acertar tanto com os seus centenários ditos?! O segredo está na união que faz a força, ou seja, é através de um conjunto de pessoas unidas por gerações de hábitos e culturas sedimentadas que se forma um provérbio popular, respondia Michael. Talvez, uma espécie de ciência popular, dizes tu. Há, na verdade, ditados certeiros, defendia Michael, e o meu preferido é pela boca morre o peixe. Como as pessoas também. Só que estas, ao contrário dos peixes, não morrem, continuam a viver, e bem vivas; umas, fantasiadamente bem, outras verdadeiramente mal, outras ainda, ou as duas, ou nenhuma. Quanto mais moral é uma pessoa, continuava Michael, menor a necessidade de ditar regras, impor condutas, restringir atitudes, falar sobre isso e o seu comportamento. Agora, o moralista, a pessoa moralista possui um desvio negativo de carácter acentuado, muitoas vezes coberta por uma paranóia destrutiva do seu ambiente social e, inclusive, da sua própria saúde mental. Sem o saber claro, não é Michael? Sim, sem o saber, recordo-me de uma ex-namorada sua a quem se aplicava esta patologia na perfeição, sem o saber claro. Um dia vai saber, Michael. O meu ditado preferido, ao contrário do teu, é mais prosaico; é um ditado que já era o preferido da minha avó e julgo, não tenho a certeza, que já o era por sua vez da mãe da minha avó. E reza o seguinte: «cada um deita-se na cama que faz». Tão verdadeiro, quanto fatalista! Só que não sossega nada, nem ninguém. E pode ser bom e mau! É através do acreditar e do desacreditar, do alinhar e desalinhar, do agir e reagir que fazemos a nossa cama, não é, caro Michael? Cavamos o nosso inferno ou o nosso paraíso! A nossa sepultura ou a nossa felicidade! Vais comer o resto da torrada? Não, James, podes tirar. Então, que malefício vamos nós atribur hoje, desta vez, a este país pequenino e interesseiro, neste pequeno-almoço com vista sobre a cidade ribeirinha? Agora disseste uma boa verdade, James, interesseiro. Portugal é um país com povo, mas nada do povo, pois ninguém quer pertencer a ele. Todos pensam em ter uma 'quint'a, depois proteger a sua 'quinta' e, de preferência, com o mínimo de 'quintas' à sua volta. Achas que este povo é original, Michael? Não, não é, excepto numa coisa: na cultura temerária. É difícil de explicar, mas, apesar de tradicionalmente aventureiro, este povo parece-me que passa a vida com medo. Medo de viver, de amar, de se expressar, de morrer. Medo, medo, medo! Chama-lhe medo ou receio ou temor, também acho que é um pouco de tudo isso! Têm medo de se deitarem na cama que fazem! Ah, ah, boa...Pois, James, é uma mistura explosiva de facto, quando é o interesse pessoal e o medo de algo e dos outros que comandam as pessoas. Diria mais, Michael, o mal de portugal, país lindo e rico, é estar cheio de portugueses!

NCR

2 comentários:

José Pires F. disse...

Boa história, com o fatalismo do fado de ser português bem presente.

Unknown disse...

Beijinho especial pelo dia de hoje (30/Nov.)
=o)*****