quarta-feira, 19 de outubro de 2005

A imagem (já) vale mais do que mil realidades

...é assim em quase tudo, no amor, no sucesso profissional, nas relações de vizinhança, na postura e beleza corporais em ambientes sociais, nas conversas com desconhecidos, conhecidos e amigos, a imagem, a imagem... as pessoas agarram-se a ela cada vez mais, julgam os outros por ela, ajuízam o seu carácter por um conjunto delas e, muitas vezes, preterem a realidade do que vivem e sentem em nome da má imagem!, da incompreensível, que imagem?!, da incapacidade de traduzir o que se sente e o que se quer, por imagens! E muitas pessoas, todos nós de alguma forma ou em algum momento, quando assim fazem, perdem um pouco do seu futuro.

NCR


A propósito de, A janela da Internet
de Eduardo Prado Coelho, hoje no O Público, para ler e pensar:

«Na publicação Dia D nova iniciativa do PÚBLICO, através da qual aparece um tratamento inovador dos problemas económicos, encontramos a seguinte frase no número da semana passada: "Após consultar todas as manhãs o sítio wwxmaps.org, Carmona Rodrigues decide se a sua deslocação até à autarquia será de moto ou de carro. O site serve também para o autarca programar os seus fins-de-semana." A pergunta mais óbvia poderá ser esta: não seria melhor ir à janela? Esta seria a solução que utilizaríamos em tempos antigos. Hoje as coisas são diferentes. Diremos: estou a olhar para a janela, vou ver se chove.
Não pretendo com isto fazer humor. O comportamento de Carmona Rodrigues é absolutamente normal. E é o equivalente de uma situação em que a Internet se sobrepõe à realidade nas ruas em que andamos.
De certo modo, isto corresponde àquela situação de uma história conhecida em que alguém vai na rua a passear o filho e encontra uma pessoa amiga. O amigo diz-lhe: "A criança é extremamente bonita." E o pai comenta: "É, não é? Não quer ver a fotografia?" Por outras palavras, a realidade foi desvitalizada e o que ganhou importância foi a imagem.
De certo modo, esta é a situação que define o mundo contemporâneo. Consideramos que o mundo é feito de imagens e que essas imagens são mais importantes do que as próprias coisas.
Há hoje um conjunto de elementos que fazem uma espécie de sistema. Compramos todo os modelos de telemóveis e neste domínio temos a obsessão de estarmos actualizados: queremos sempre adquirir o modelo mais recente, porque doutro modo sentimo-nos um pobre diabo a quem ninguém dá qualquer importância. A grande consagração consiste em termos o uso tecnologicamente exaltante da associação dos telemóveis à dos ecrãs de televisão.
Tudo isto, dizia eu, faz sistema. Isto tudo é hoje uma certa ideia de vida. É ainda o sucesso e ordenados compensadores. É ler as revistas de negócios e falar sobre o tema às refeições em restaurantes de qualidade mais ou menos compensadora. É ter viagens ao estrangeiro, congressos que não se sabe muito bem para que é que servem, promoções e carreiras de prestígio. É comprar revistas de economia, em que não é propriamente de economia que se trata, mas da forma mais rápida e eficiente de subir na vida. Nada disto é negativo ou condenável. De certo modo, foi esta imagem do quotidiano que apareceu na ideologia implícita de Cavaco Silva. Porque há aqui uma ideologia que se define pela ausência de ideologia. Há um discurso silencioso e inconsciente, que passa pelas massagens, um pouco de SPA (que é certamente a grande moda) e uma grande confiança naquilo que se está a fazer. É em certa medida o domínio da economia, mas de uma "economia soft". A fotografia da criança é mais interessante do que a própria criança. É a fotografia que enriquece e não a realidade. O mundo das coisas que se tocam e vêem é cada vez mais longínquo. Vivemos numa sociedade de sucesso. Será que chove? Vou ver à Internet.»

1 comentário:

Pedro Soares Lourenço disse...

Tem graça o texto de EPC. Mas como das outras vezes (poucas...) em que leio EPC há qualquer coisa que me escapa (ou não!).
O que é que Cavaco Silva e a sua “ideologia implícita” tem a ver com o tema do texto?
EPC já é crescido (pequeno mas crescido – ai a imagem...) para deixar de aceitar “certas” encomendas.
Não achas Nuno?