quinta-feira, 6 de outubro de 2005

ESPUMAS XVII

Saltei de um lado para o outro, de uma cor para a outra e não encontrei o que constantemente me soava aos ouvidos. Não era ruído, não era toque, era um som, parecia-me uma música, parecia-me não, era mesmo, uma música linda, soava-me como uma banda sonora do mundo dos céus, se é que esse mundo existe. Se não existir, é então o meu mundo dos céus. Podemos sempre fugir para dentro de nós. A música não me abandonava, viria de dentro de mim? Mas se vinha de mim, porque a ouvia ecoar nos meus ouvidos?! Que forte era esta melodia, minimalista, mas forte. De repente, comecei a ouvir algumas palavras, estranhei, em português, normalmente o que é bom vem com legendas, mas esta não. Reconhecia as palavras, no entanto, era incapaz de as descodificar. Não entendia nada do que a música letrava. Mas que barulho, já lhe chamava barulho, começava a não perceber donde provinha o raio da música. Estava a ver um quadro pintado de geometrias, todo às cores, com linhas fina, muito finas a preto, e com uma porta, a convida-nos a sair dele. Essa porta, ainda por cima vermelha, imaginava-a a porta do inferno. O inferno seria paraíso se o pecado não fosse pecado. A porta conduzia-me para fora do quadro, mas os olhos não me saíam da tela. As minhas retinas já deambulavam em círculos, como se acompanhassem as ondas hertzianas absorvidas pelos meus tímpanos. A minha ignorância começava a inimizar com a beleza da música. Devia ficar quieto, sobretudo mentalmente quieto. Porque simplesmente não a ouvia, perceber para quê? Há coisas que são mais bonitas quando não as conhecemos. Coisas e pessoas. Mas como é que de um quadro se inventava uma música? Já dizia inventar, era um bom subterfúgio quando não queremos dar o corpo a torcer. A música era tão bonita. Mas perguntava-me insistentemente sobre o mal daquele sopro dos deuses. Seria saudável ouvir tamanha beleza numa música? E, de repente, foi-se. A música puramente, ou não, desapareceu. Inexplicavelmente, cedeu perante a minha falta de silêncio. à bom português, as saudades não tardaram. Acabei, ou melhor, principiei por concluir que verdadeiramente não a ouvi e muito menos a gozei. Era tão bonita. Se eu soubesse que desaparecia tão depressa, tinha ficado calado. Devíamos nascer com uma bola de cristal. Se tivesse ficado mudo que nem um menino, nunca mais me esqueceria dela. E assim lembrar-me-ia desse momento como um momento feliz. Ao contrário, fiz merda. Com perguntas e procuras, já a esqueci. E aquele momento, o momento em que ouvi aquela maravilhosa banda sonora do paraíso foi uma frustração... Não há maneira de aprendermos. Não há porta que controle nosso contentamento. Deixem-me dizer nós pela companhia neste momento da verdade. Por mais colorida que ela seja, por mais melodiosa que ela se faça ouvir, há sempre um porquê no mundo das falsas respostas. E das teimosas perguntas. Há portas que só existem para serem admiradas e não para serem atravessadas... Estava aqui a pensar, o que será que significavam aquelas palavras da melodia?

NCR

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