«O ser humano não vive para sempre, sabe que não é imortal, mas busca a eternidade grande parte da sua vida, ou seja, antes do fatal destino. A razão de existência das religiões explica muito esta vontade. A maioria dos homens e mulheres procuram permanecer neste mundo para além da sua morte, por diversas vias e estratégias, todas elas passando pela vida dos outros, pois a memória de quem fina pode ser eterna através de quem se lembra dela. A estratégia mais comum, quando arrogada, é a da obra feita, nomeadamente pela arte, escrita, assunção de um cargo, entrega a uma missão extraordinariamente altruísta ou realização de um feito formidável e inaudito. Mais ou menos elaboradas, muito ou pouco assumidas, o ser humano constrói, ou desejava construir, estratégias para uma estadia sem prazo. Deste modo, desde logo desapareciam o medo, a cobardia, a insegurança e muita dor, sobretudo a dor da perda. Mas ficar para sempre, não ter fim, é uma ilusão, assim como acreditar nisso depois da morte. O sentido da vida é ela morrer. O que sobra depois disso será sempre um ponto de interrogação. Vivo ou morto, as respostas não virão no fim. Na verdade, os seres humanos não têm pontos de fuga, como as telas de um artista. A vida humana possui apenas pontos de ilusão. Mas, paradoxalmente, esta ilusão alimenta a vida de muitas almas ainda depenadas. Para o bem ou para o mal. Com sacrifícios ou sem sacrifícios. Vivendo ou vegetando. Existe, todavia, e acima de tudo, uma pergunta que os seres humanos sempre almejaram saber a resposta: será o amor a melhor estratégia para a nossa concebida eternidade? O amor é mais forte que uma obra de arte, que uma obra literária, que um destino auto-instituído? Parece não haver dúvidas sobre um ponto: o amor é a estratégia mais acessível a todos os seres humanos, sem excepção. É a mais universal e gratuita das felicidades, ao contrário das outras estratégias, como a arte, a literatura ou a inaudita capacidade. A pergunta, contudo, fica por responder, se houver resposta. A final, tudo terminará numa caixa ou em pó, diz o céptico. O que acaba aí é apenas o nosso corpo, diz o crente. Ambas parecem ser legítimas, mas evitam a ilusão da nossa eternidade, porque a ilusão responde a muitas questões por nós. É mais fácil e, por vezes, é-se mais feliz assim. Como aguentaria o ser humano viver a sua fatalidade todos os dias, se não criasse para o seu futuro uma realidade virtual? O amor aqui também ganha às outras estratégias porquanto é a única que nos pode desiludir. É por isso que o amor renasce, ao contrário do ser humano.»
NCR
1 comentário:
Também há quem não queira ser eterno. Renasce, todos os dias ;)
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