Para um gajo como eu, simpatizante com o simbolismo inerente às monarquias (desde que em República. Eu sei, parece paradoxal, mas um dia explico), têm um pouquinho de aflitivo as intervenções de Duarte de Bragança, quando vão além daquilo que - se o homem fosse rei - é seu limite.
No jantar dos Conjurados, que assinala a noite de 30 de Novembro para 1 de Dezembro de 1640, Duarte de Bragança disse que a democracia portuguesa “já não é uma democracia, é uma fraude”. E explica: a actual lei de referendo permite que “os portugueses falem de vários assuntos, excepto da natureza do próprio regime”. Em causa está o artigo 288.º, alínea b) da Constituição que condiciona a revisão constitucional a “respeitar a forma republicana de governo”. O referendo sobre o aborto contará com o seu voto pelo ‘não’, justificado por uma pergunta que “é um insulto à democracia portuguesa e é desonesta”. E defende não ser aceitável “a legalização da morte como solução de um problema económico e social”.
Vamos lá por partes:
- Se a democracia portuguesa já não o é, sendo portanto um fraude, quando é que o deixou de ser?
- É ou não verdade que a proibição de referendo do regime republicano sempre constou da constituição de 1976?
- A forma republicana de governo está presente em todas as Constituições da República (art.º 1.º da de 1911 e art.º 5.º da de 1933), mas também não está a forma monárquica nas Constituições da Monarquia (art.º 29.º da Constituição de 1822, art.º 4.º da Carta de 1826, e 4.º da Constituição de 1838)?
- É ou não verdade que as constituições monárquicas não admitiam também não só o seu referendo, como a própria natureza hereditária do trono?
Assim, Duarte de Bragança deve ser questionado se, na sua opinião, todos os reis de Portugal desde 1822 foram-no fraudulentamente...
Quanto à questão do referendo sobre a despenalização do aborto:
- Se Duarte de Bragança diz que a pergunta do referendo é um insulto à democracia, e se esta é uma fraude, a pergunta não é ontologicamente boa?
- Se é a pergunta que é desonesta, por que razão não apresentou alternativas honestas?
- Se acha que não há alternativas honestas, não será desonesto não o dizer?
- Se pensa que não devia ser possível referendar a despenalização do aborto, por que razão não interveio nestes últimos anos, exigindo para o aborto o mesmo tratamento constitucional que é dado à monarquia?
- Se Duarte de Bragança pensa que não deve ser legalizada a morte como solução económica e social, em que situações defende a sua legalização? E se porventura defender a penalização do aborto em qualquer circunstância, porque não o diz?
Duarte de Bragança perdeu uma boa oportunidade de reservar para si uma opinião sobre uma causa fracturante da sociedade portuguesa, demonstrando de uma forma dolorosa que as dúvidas que muitos monárquicos têm sobre um seu eventual desempenho como rei, possuem um fundamento sólido...
1 comentário:
Excelente analise. Excelente conjunto de perguntas. Pena é que não haja ninguém para faze-las; os nossos jornalistas estão mais interessados nas floribellas deste mundo do que na pouca (e má) política que se vai fazendo.
Enviar um comentário